Queridas Senhoras,
têm saído vários estudos e artigos sobre o teletrabalho. Não vou citar nenhum deles (é só pesquisar, há para todos os gostos), vou apenas discorrer sobre o assunto. Como pessoa que detesta mudanças, resisti o mais que pude ao teletrabalho. Agora reconheço-lhe algumas vantagens. Do que quero falar aqui é do modelo a adoptar no futuro e do que gostaria que acontecesse.
A primeira regra seria dar às pessoas a possibilidade de escolha. A todos os níveis. No limite, todos os cenários seriam possíveis. Obviamente, dentro dos condicionalismos de cada sector, empresa, função. Teletrabalho total ou parcial, sempre em casa ou sempre no escritório, x tempo em casa, x tempo na empresa, flexibilidade de horário (começar mais cedo, mais tarde, trabalhar mais uma hora e ter uma tarde livre, todo o tipo de conjugações que aliás diversas empresas já adoptaram há muito). Esta liberdade seria a âncora do novo modelo. Dar aos trabalhadores a máxima amplitude para organizarem a sua semana de trabalho. Acredito que com mais liberdade e autonomia vem maior responsabilidade e produtividade.
Entre as grandes vantagens do teletrabalho está o ganho de tempo pelas deslocações que se evitam. Esse tempo extra transforma-se em maior qualidade de vida. No meu caso, por exemplo, ganhei controlo sobre o estendal da roupa, o que é profundamente relaxante e apaziguador. Saber que a qualquer hora posso estender ou apanhar a roupa, que nunca mais um aguaceiro desabará sobre peças praticamente secas, que o cesto não transborda de roupa suja porque consigo fazer uma gestão exímia, just in time, dos ciclos de lavagem, equivale a um curso de meditação com taças tibetanas. A vigilância digital, o trabalho que entra pela casa adentro? O chefe vigia-me a mim, mas eu vigio o estendal.
Estes meus desabafos são muito prosaicos, eu sei. Já aqui discorri bastante sobre as refeições e como tudo o que se relaciona com alimentação ocupa grande parte do nosso tempo. Mas é assim o dia a dia da burguesia teletrabalhadora: manter as crianças alimentadas e a roupa lavada. Quanto mais estas tarefas estiverem facilitadas e automatizadas, e aí está porque gosto tanto de rotinas, mais a mente fica livre para pensar criativamente. Ou seja, ganhar tempo físico também permite ganhar agilidade mental. Não sou maníaca das tarefas domésticas, longe disso, mas gosto de ter a casa limpa e arrumada, a máquina oleada. Porque libertamos espaço e tempo para outras coisas.
Supondo que o teletrabalho permite a poupança de pelo menos uma hora em deslocações, podemos empregar essa hora extra em actividades mais recompensadoras. Tempo com os filhos, ginásio, workshop de pintura, ler no jardim, olhar para o ar. Sermos donos do nosso tempo é uma utopia, mas quanto mais condicionados estivermos nos nossos movimentos mais longe estaremos desse objectivo. A adopção generalizada das 35 horas semanais também seria uma medida muito bem-vinda. Julgo não haver muitas dúvidas de que trabalhar menos horas é trabalhar melhor. Ninguém se torna mais produtivo estando preso a um horário longo, hiper controlado e com pouca margem de respiração.
O teletrabalho deve ser um direito, uma opção, mas nunca uma obrigação. Há pessoas que não funcionam bem nesse regime, não têm condições para trabalhar em casa, pessoas para quem o local de trabalho permite manter um contacto com o exterior que é fundamental para escapar a situações de abuso ou violência doméstica. A falta de laços com o exterior e o confinamento forçado ao espaço doméstico veio agravar estes casos. E veio sobrecarregar em especial as mulheres com a acumulação de tarefas. Acredito que nalguns casos tenha ajudado a causa da partilha equitativa das responsabilidades, mas por hábito e tradição cultural não são as mulheres que põem as baixas para cuidar de crianças e idosos? Quais os custos profissionais do confinamento para as mulheres? "Não chateies o pai, que o pai está a trabalhar", deve ter sido das frases mais repetidas neste último ano. A falta de vida social e profissional fora de casa, o eventual desemprego e a dificuldade em reingressar no mercado de trabalho podem propiciar um perpétuo confinamento forçado ao lar onde, afinal, há sempre tanto a fazer.
Entre perigos e vantagens, e considerando as múltiplas variáveis envolvidas, algo de bom devia resultar desta experiência de teletrabalho. Sobretudo um modelo que dê às pessoas maior controlo sobre as suas vidas.
Até para a semana,
Céu
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