Os filhos da pobreza

Imagem: Expresso

Queridas Senhoras,

leio no Expresso um artigo sobre a crise da natalidade. A idade média da mãe na altura do nascimento do primeiro filho tem vindo a aumentar (situa-se agora acima dos 30 anos), e Lara Patrício Tavares, da Associação de Demografia Portuguesa, diz que há duas coisas fundamentais a fazer: incentivar as mulheres a terem filhos mais cedo e apoiar o nascimento do 2.º filho (se começam tarde muitas vezes não vão a tempo do segundo, etc.).

Cruzo este artigo com uma das notícias da semana, sobre as estatísticas da pobreza, que todos terão presente. Grande parte dos pobres tem trabalho e contrato efectivo. A pobreza passa de geração em geração e é difícil dar-lhe a volta. Os salários miseráveis, mesmo para quem se mata literalmente a trabalhar, não permitem quebrar este ciclo. Como se constitui família, hoje, neste cenário?

Voltando ao artigo sobre a natalidade, as mulheres engravidam cada vez mais tarde porque os estudos são mais prolongados e o início da vida dita adulta é naturalmente adiado. As raparigas querem em primeiro lugar assegurar a sua formação e independência e nada me parece mais importante do que isso. Nada. Nem encontrar parceiro, nem ter filhos. A asserção de Virginia Woolf é tão válida agora como então, e continua a ser um objectivo por vezes inalcançável: as mulheres devem ter independência financeira e um quarto que seja seu. Devem ter acesso à educação e não depender de ninguém para tomar as suas decisões.

Digamos que tudo corre pelo melhor e uma rapariga conclui os seus estudos, mestrado incluído, por volta dos 22 anos. Supondo que arranja logo um emprego com perspectivas, desejará apostar na sua evolução profissional e consolidar a sua experiência pelo menos durante, digamos, cinco anos. Aos 27, se estiver para aí virada, poderá pensar em engravidar. Mas agora a realidade: o mais certo é que aos 27 anos essa rapariga ainda esteja enredada em estágios, formações, empregos precários, contratos mal-amanhados. Portanto, longe ainda de poder tomar conta dela, quanto mais de um filho.

Outra situação: a mulher de 35 anos já com um filho e alguma estabilidade profissional. Gostaria de ter o segundo, mas poder-se-á permitir pôr o emprego em risco com todas as "faltas" que uma grávida dá mais a licença de pelo menos seis meses? Não irá comprometer a sua evolução profissional, quem sabe cair no desemprego, pôr em risco a sua independência e tornar a sua posição mais frágil a todos os níveis? E o salário, chegará para mais uma boca? A sabedoria popular tem pérolas como "onde comem três, comem quatro" e "tudo se cria". Mas vejamos: os números da pobreza classificam como pobre alguém com rendimento inferior a 540 mensais. Este valor deverá ser dividido pelo número de pessoas do agregado familiar. Se um casal sem filhos auferir cada um os famigerados 800 a 1000 euros, poderá viver com os confortos mínimos, quem sabe até jantar fora uma vez por semana e ir ao cinema. Agora divida-se o valor de 2000 euros por três. Começa a ficar apertado. Divida-se por quatro e estamos abaixo do limiar de pobreza.

É fazer as contas.

Até para a semana,

Céu

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