Queridas Senhoras,
acontece-me com frequência começar a escrever um post sem saber exactamente onde ele irá dar. Tenho uma ideia, algo que quero partilhar convosco, mas depois sou atacada por aquela febre das ligações e as coisas acontecem sem obedecer a nenhum plano.
Mas hoje, eh pá, eu hoje tinha um plano bem definido, andava a pensar nele já há algum tempo e queria muito escrever sobre as eleições do próximo domingo. Fui procurar o vídeo do Tiago Bettencourt porque acho que é um hino belíssimo àquilo por que estamos todos a passar neste país; enquanto preparava o código para publicá-lo aqui, fui ouvindo a canção; e, de repente, desatou-se qualquer coisa cá dentro. 'Foi mesquinha a canção desse amor a fingir', e despejaram-se-me as lágrimas.
Não quer dizer que eu ignore o assunto que me motivou inicialmente. Mas terei que abordá-lo de uma forma indirecta, metafória. As minhas desculpas por isso. É que eu tive uma epifania, e uma epifania não é coisa que se ignore.
O meu pai sempre foi um aventureiro, um empreendedor, um bon vivant. Homem muito bem parecido, inteligente, culto e eloquente, sofreu toda a vida da síndrome ai-que-disparates-que-aquele-miúdo-faz-mas-ai-a-graça-que-ele-tem. Mesmo em adulto. Estava destinado à grandeza. Por motivos das mais diversas naturezas, a viagem foi sendo interrompida. Aproximou-se bastante, mas não chegou lá. Ou, melhor ainda, não pôde permanecer lá. Sentiu-lhe o gosto, mas só lhe ficou um amargo de boca.
E eu, como todos os elementos da corte que permanentemente rodeava este homem tão encantador e tão egoísta, fui desempenhando os meus papéis, que evoluíram consoante a idade, muito ciosa da minha obrigação (aliás, comum a todo o mortal) de não atrapalhar o fabuloso, ainda que acidentado, percurso do nosso herói. Dei-lhe tudo, dei-lhe espaço. dei-lhe tempo, dei-lhe tolerância. E depois dei-lhe dinheiro. Todo o dinheiro que tinha e que não tinha. E depois dei-lhe o meu nome para ele poder continuar a tentar ganhar dinheiro (mas, como sempre, a conseguir apenas gastar o que tinha e o que não tinha - agora, em meu nome).
Não fui eu que gastei. Eu não quero pagar. Dei-lhe o meu nome por amor e recebi, em troca, apenas desdém e desrespeito e dívidas que me têm acorrentada até ao pescoço e que assim me terão ainda por muitos e bons anos.
O meu pai chegou finalmente ao seu verdadeiro destino, a pequenez, e aí já pôde permanecer.
O meu pai, o meu país.
Vamos todos votar no domingo?
Beijinhos,
Marta
Querida Martinha, é um post duro mas corajoso e porventura necessário. um beijinho
ResponderEliminarObrigada, querida Céu. Sim, necessário. Beijinhos
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