Queridas Senhoras,
a Alice anda a ler os Contos Exemplares da Sophia de Mello Breyner que alguém teve a felicidade de lhe oferecer no último aniversário. Este livro é melhor que ela o leia sozinha, que o descubra por si própria. Parece-me uma leitura mais íntima, não se adequa às leituras conjuntas que fazemos todas as noites [presentemente estamos com A Lenda de Despereaux e antes desse A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson através da Suécia].
Há uns anos tentámos ler em conjunto um conto de Sophia e não correu bem. É um conto muito violento, do livro Histórias da Terra e do Mar, chamado "História da Gata Borralheira". [Foi adaptado ao teatro numa peça chamada “Lúcia Afogada”. Dalila do Carmo é Lúcia e a peça está hoje e amanhã em cena da Casa Andresen, no Porto.] Lembro-me que não chegámos ao fim da história, eles tiveram medo. Mas suponho que a Alice esteja mais crescida. Afinal, ela já escreve as suas próprias histórias, com uma boa dose de terror e mistério.
Não sei o que achará ela era de um texto como “A Viagem”. Peguei no livro e li este conto verdadeiramente exemplar de uma assentada (não me recordo de o ter lido antes). Não sei se conhecem, é um conto perfeito, mágico, circular. Fala de um homem e de uma mulher. Vão de carro, numa estrada, a caminho de uma terra onde esperam ser felizes, sonham com banhos num rio "claro, branco, transparente". Mas enganam-se numa encruzilhada, ou julgam enganar-se, e a partir daí tudo desaparece, tudo se perde. Bebem água de uma fonte e quando regressam a fonte não está lá. E assim por diante. O carro desaparece, prosseguem a pé pelos caminhos, encontrando coisas para logo as perderem em seguida. Entram numa floresta e, mesmo perdidos e preocupados, não resistem à beleza que os envolve.
“Iam de mãos dadas através do ar doirado e verde.”
O dia avança, quando têm fome comem os frutos que encontram, há uma sebe carregada de amoras. Tomam banho num pequeno rio cristalino.
“Mergulhavam de olhos abertos, tocando as pequenas pedras polidas do fundo, atravessando um mundo suspenso, transparente e verde.”
Prosseguem, o dia vai findando, a noite aproxima-se, a floresta chega ao fim. Termina num precipício. Há apenas um carreiro estreito e o abismo. E depois não há sequer carreiro. O homem perde-se, desaparece.
“Compreendia que agora era ela que ia cair no abismo. Viu que, quando as raízes se rompessem, não se poderia agarrar a nada, nem mesmo a si própria. Pois era ela própria o que ela agora ia perder.”
Qual é o significado deste conto?
Hei-de perguntar à Alice.
Beijinhos a todas,
Céu
Comentários
Enviar um comentário
Conversem connosco: