Escola para sempre



Queridas Senhoras,

adoro a escola. Gosto de escolas-edifícios, de salas de aula, anfiteatros, livros, sebentas, calhamaços, professores, alunos, colégios ingleses com grandes relvados e portões altos, recreios, pátios, bibliotecas, pavilhões, cursos, workshops, seminários, conferências. Frequentei três escolas públicas (Roque Gameiro, Liceu da Amadora, ISCSP) e de todas guardo as melhores recordações. Tive excelentes professores, que não esqueço, em especial das matérias da minha predilecção, como Português e Filosofia.

É uma grande ideia, a escola. De correntes pedagógicas não percebo nada (isso é aqui com a minha amiga Catrenata), frequentei a escola dita tradicional, suponho, mas não foi nada mau. Nada mau mesmo. Temos a memória curta e damos a escola como adquirida mas aqui há 50 ou 60 anos não era nada adquirida, sobretudo para as raparigas. Havendo moços e moças, nas famílias, dava-se a primazia àqueles (“mandavam-se estudar”), enquanto estas ficavam em casa a cuidar dos irmãos mais novos, a coser meias e a dar conta das lides, pois claro. Também para que queres tanto estudo, rapariga? Quantas meninas não terão escutado este comentário?

Imagino essas primeiras meninas que puderam prosseguir os estudos, libertando-se do peso de tarefas domésticas impostas cedo demais, conseguindo vencer as amarras que as prendiam a um destino traçado à nascença. É uma grande ideia, a escola. A escola pública e universal. Ouço “escola pública” e involuntariamente empertigo-me. Não sendo professora, não sofrendo na pele o martírio diário da indisciplina ou da burocracia ou da injustiça ou da… conservo uma ideia romântica da escola. Uma ideia que tem a ver com justiça e igualdade de oportunidades. Uma escola que integra o desporto e as artes, que ensina música e poesia e teatro e astronomia, que leva os meninos aos museus e às fábricas.

Não sou professora, não teria estofo para isso. Tenho um marido professor, uma irmã professora, um tio professor, uma prima professora, amigos professores, maioritariamente na escola pública. Não digo que eles têm um trabalho ingrato pois acho precisamente o contrário. Devem ter o trabalho mais recompensador do mundo. Imaginem o que é ensinar crianças de meios desfavorecidos, conseguir furar uma série de barreiras, o meio hostil, a desconfiança, o desinteresse, uma cultura de massificação e entorpecimento, e tocar nem que seja um só aluno. Levá-lo a descobrir algo que desconhecia, a interessar-se por temas que ainda ninguém lhe tinha revelado, a ler um livro, a assistir a uma peça de teatro.

É uma grande ideia, a escola. Não deve existir instrumento mais poderoso para a criação de um mundo mais justo e igualitário. Defendo a escola pública incondicionalmente. Uma escola plural, multifacetada, viva, diversificada, com aulas de judo e hortas pedagógicas e esgrima. Estou a ser demagógica, agora? A esgrima é um exagero? Pois saibam que nas escolas da Amadora há esgrima!

Naturalmente, não tenho nada contra os colégios privados. A belíssima educação proporcionada por escolas como o Liceu Francês, a Escola Alemã, os Salesianos, St. Julian's, St. Dominic's , etc., deve ser uma vantagem do caraças nesta selva cá fora. Nem que seja por via das famílias e dos conhecimentos. É meio-caminho andado, já se sabe.

É por isso que me empertigo toda quando ouço Escola Pública. Quero que as nossas crianças todas tenham acesso pelo menos a boa parte daquilo que têm os meninos do Liceu Francês e da Escola Alemã. Não falo das mordomias, falo da Cultura, da Música, da Poesia, da Beleza, da Tecnologia, da Filosofia. Falo do estímulo para aprender a pensar, a ser curioso, criativo, imaginativo. A procurar (boas) soluções para viver nesta selva cá fora.

Beijinhos a todas,

Céu

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