Os leitores falam às Senhoras: Luís Ricardo Duarte (jornalista)



Queridas Senhoras,

o nosso convidado de hoje «lê para escrever e escreve para ler» por isso levamos bastante a sério quando ele declara que «só se entra no coração de um livro por volta da página 80», mais coisa, menos coisa. Licenciado em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (onde dirigiu o jornal universitário Os Fazedores de Letras), Luís Ricardo Duarte complementou a sua formação com estudos de Literatura e Jornalismo. É jornalista do Jornal de Letras, Artes e Ideias desde 2003. Nasceu em 1977 e cresceu em Setúbal.


1. O que está a ler neste momento?

O que o trabalho manda, mas com o devido prazer: Un andar solitario entre la gente, o mais recente livro de Antonio Muñoz Molina, e a tradução do seu romance anterior, Como a sombra que passa. Nos dois, a mesma obsessão pela memória (o passado que nos persegue) e pela literatura (as obras que nos inspiram).

2. O que leu antes e o que vai ler a seguir?

O que o trabalho mandou, mas com a devida surpresa: Alguns Humanos, a extraordinária estreia literária do brasileiro Gustavo Pacheco. Onze contos de contradições humanas, epistemológicas e emocionais. A seguir, mando eu: A Dança do Rapaz Branco, de Paul Beatty, autor do que considero ser, de longe, o melhor romance dos últimos anos (O Vendido).

3. Conte-nos uma memória de infância relacionada com livros

A minha irmã mais velha a ler-me, antes de adormecer, cada noite um capítulo, O Fantasma dos Canterville de Oscar Wilde. Do sangue na sala à travessia final, é memória de felicidade pura.

4. Que livros marcaram a sua adolescência?

Não fui grande leitor na adolescência – a descoberta do mundo foi livro de muitas páginas. Mas dois marcaram os meus interesses: Invasões Bárbaras de Pierre Riché, sobre a queda do Império Romano (haveria de seguir História) e Ilíada de Homero (haveria de estudar Literatura).

5. Um local público onde goste de ler

Gosto de ler em cafés, mas a música por norma é muito má. A melhor solução continua a ser a Cinemateca.

6. O seu recanto preferido de leitura (em casa)

Junto à janela, a ver a vida lá fora, tão diferente e tão igual à dos livros.

7. Uma biblioteca importante para si

A da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ainda no velho edifício, na mesa colada à janela, de onde se via a monotonia de Direito e a burocracia da Reitoria. Aí, ler era (e continua a ser) Liberdade.

8. As livrarias que costuma visitar

A Letra Livre, a Distopia e a nova Almedina do Rato.

9. Uma editora de que goste particularmente

Gosto de muitas, sobretudo das que, com os seus catálogos, lembram-me as antigas cadernetas de cromos: «Um de cada, por favor».

10. Que livros gostaria de reler?

Tantos. Assim de repente: Machado de Assis, Ruy Belo, Rubem Fonseca, Mia Couto, Ana Teresa Pereira, Dino Buzatti, Juan José Millás, Enrique Vila-Matas, Dubravka Ugresic, Boris Vian. Tantos.

11. Que livros está a guardar para ler na velhice?

O Fantasma dos Canterville de Oscar Wilde.

12. Acessórios de leitura que não dispensa

O afiador eléctrico.

13. E se um livro não prende, põe-se de lado ou insiste-se?

Tenho para mim que só se entra no coração de um livro por volta da página 80 (com as devidas excepções e adaptações). Sem dúvida que as páginas iniciais, como as primeiras impressões, são importantes, mas até lá o escritor e o leitor estão a definir as cláusulas do pacto de leitura que, juntos, vão manter até ao fim. De resto, é uma questão de velocidade. Acelera-se quando se quer chegar mais cedo, demora-se quando cada página pede tempo.

14. Costuma ler sobre livros? Quais são as suas fontes?

Além de suplementos culturais, nacionais e estrangeiros, recorro a vários guias literários: os ensaios de António Mega Ferreira, as traduções (e prefácios) de Aníbal Fernandes, o saber clássico de Frederico Lourenço, a entrega de Miguel Real, o olhar exterior de Onésimo Teotónio Almeida, a abordagem textual de Carlos Reis e Ana Paula Arnaut e, lá dos começos, Umberto Eco e George Steiner.

15. Uma citação inesquecível que queira dedicar às Senhoras da Nossa Idade

Aqui vão duas (que rimam): «O mundo é suficientemente grande para o teu maior desejo» (Marguerite Yourcenar) e «Isto de estar vivo ainda um dia acaba mal» (Manuel da Fonseca).






Beijinhos a todas,

Céu

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