Queridas Senhoras,
hoje falamos com a autora do blogue A Gata Christie que mantém desde 2007. Maria João Caetano, 43 anos, alentejana, jornalista no Diário de Notícias, mãe do António e do Pedro. É a primeira leitora com quem falamos que elege a cozinha como um dos locais favoritos para ler.
1. O que está a ler neste momento?
Neste momento estou a poucas páginas de terminar o Manual para Mulheres de Limpeza, de Lucia Berlin. É um calhamaço com mais de 500 páginas e demorei alguns meses a lê-lo. Mas vale muito a pena. É uma escrita muito directa e despojada, sem grandes elaborações, mas que precisamente por isso nos atinge em cheio. Grande parte dos contos são autobiográficos e os outros são inspirados naquilo que ela viu – e não é bonito. Alcoolismo, violência doméstica, abusos sexuais, tráfico e consumo de drogas, relações interrompidas, sonhos interrompidos, pobreza, prisões, clínicas de desintoxicação, abortos, cancro, morte. Este é um lado da América que raramente encontramos nos livros, ainda por cima contado do ponto de vista de uma mulher (aquela que é usada e abusada e que depois acaba a limpar casas para criar sozinha os filhos). E apesar disto tudo é um livro com alguns momentos de grande beleza. Ainda que quase sempre uma beleza triste.
2. O que leu antes e o que vai ler a seguir?
O último livro que li, não antes mas enquanto lia a Lucia Berlin, foi Não Respire, de Pedro Rolo Duarte, acabadinho de sair. Gostava muito do Pedro, por isso tinha imensa curiosidade sobre o que ele teria deixado escrito para nós. O que vou ler a seguir? Ainda não sei. Provavelmente, num misto de razões profissionais com curiosidade pessoal, irei ler António Variações - De Braga a Nova Iorque, biografia de autoria de Manuela Gonzaga que será lançada este mês.
3. Conte-nos uma memória de infância relacionada com livros.
A minha infância foi povoada pelos livros da Anita. Lembro-me de estar doente e de passar muito tempo na cama rodeada de livros da Anita. Como tinham as capas duras eram bons para ler na cama. Os desenhos dos livros da Anita eram lindos, podia ficar horas só a ver todos os pormenores dos desenhos. E faziam-me sonhar.
4. Que livros marcaram a sua adolescência?
Os livros da Enid Blyton, numa primeira fase. Perdi a conta às vezes que li as colecções Os Cinco, As Gémeas e O Colégio das Quatro Torres. As páginas acabaram por se descolar todas de tanto serem manuseados. Ficava fascinada com aquele universo dos colégios internos, tão estranho para mim, com miúdas que comiam bacon frito e jogavam lacrosse (o que era o lacrosse? Não fazia a mais pequena ideia e não tinha internet para procurar…). Depois disso, os livros da Agatha Christie, claro. Li-os todos, várias vezes – o que não deixa de ser estranho porque sendo livros de mistério deveriam ser menos interessantes quando já sabíamos quem era o criminoso. Mas, pelos vistos, para mim isso não fazia diferença.
5. Um local público onde goste de ler.
Eu leio em todo o lado. Gosto de andar com um livro na mala para poder ler nos transportes públicos, nos cafés, nos momentos de espera. Uma esplanada num jardim ou com uma vista bonita para o mar é sempre um bom local para ler.
6. O seu recanto preferido de leitura (em casa)
Estranhamente, gosto de ler na cozinha. Não sei se é o meu recanto preferido mas já faz parte da minha rotina de fim-de-semana. De manhã, enquanto os miúdos ainda estão a dormir, tomo calmamente o pequeno-almoço na cozinha, com o sol a entrar pela janela e com um livro.
7. Uma biblioteca importante para si
Teria que dizer a biblioteca do meu pai, mas não sei se conta. O meu pai sempre comprou bastantes livros. Em miúda, quando eu queria um livro bastava pedir ao meu pai e quase de certeza que ele estava lá, numa prateleira qualquer. E se não estivesse ele ia comprá-lo. E também tínhamos o hábito de lhe perguntar: “Oh pai, o que é que eu posso ler?” E ele olhava para as estantes, tirava um livro e dizia: “Experimenta este.” A minha irmã leu os clássicos todos, o Dickens, o Julio Verne, os russos. Eu andava mais pelos livros de espiões. Ainda hoje, quando vou lá a casa, pergunto ao meu pai o que tem de novo e acabo quase sempre por trazer uns livros comigo.
8. As livrarias que costuma visitar
As Fnac do Colombo e do Chiado e a Bertrand do Chiado são as livrarias a que vou quando quero comprar alguma coisa, quase sempre para os miúdos ou para oferecer. Por questões práticas: estão localizadas em sítios centrais, têm uma grande variedade de livros e quando não têm o que quero é fácil encomendar. De resto, para ser sincera compro cada vez menos livros para mim. Entre os que me oferecem e os que peço emprestados (ao meu pai, à minha irmã, a amigos – li os da Ferrante todos sem gastar um tostão) fico com bastante com que me entreter.
9. Uma editora de que goste particularmente
A Planeta Tangerina. É uma editora de livros infantis onde tudo é feito com muito cuidado. A ilustração, o texto e toda a concepção gráfica do livro – nada é descurado e tudo faz sentido naquele objecto-livro.
10. Que livros gostaria de reler?
Volta e meia, volto às crónicas do Lobo Antunes. Tenho umas preferidas, há partes que até já sei de cor. Mas se tivesse muito tempo acho que preferia ler os livros que ainda não li.
11. Que livros está a guardar para ler na velhice?
Aqueles clássicos todos que nunca li, do Moby Dick, de Mellville, ao Guerra e Paz, de Tolstoi. E poesia. Não vou ter velhice que chegue para tudo o que me falta ler.
12. Acessórios de leitura que não dispensa
Não tenho nenhum. Gosto de ter um marcador, mas se não tiver, improviso. Pode ser um recibo do supermercado ou um cromo de futebol, o que estiver mais à mão. Quando levo na mochila livros que não me pertencem, coloco-os dentro de uma capa de pele que era da minha mãe e que neste momento já se começa a desfazer de tão velhinha que está. Mas não é um acessório que não dispense, é só uma capa de que gosto e que me ajuda a manter os livros em bom estado.
13. E se um livro não prende, põe-se de lado ou insiste-se?
Depende. Eu insisto cada vez menos. Acho que isso é uma coisa que vem com a idade, esta noção de que ler é um prazer e, portanto, se um livro não nos dá prazer então não devemos perder muito tempo com ele. Mas há casos e casos. Podemos perceber logo que aquele livro não é para nós. Ou então sentimos que aquele não é o momento certo para o lermos – então, deixamo-lo ali na mesinha-de-cabeceira à espera de uma outra oportunidade. Ou pode ser um livro importante para nós por qualquer motivo (por exemplo, por motivos profissionais) e aí temos mesmo que insistir.
14. Costuma ler sobre livros? Quais são as suas fontes?
Costumo ler mais sobre escritores. Se ficar a conhecer um pouco mais um escritor, aquilo que diz, aquilo que pensa, aquilo que viveu, sobre o que escreve, posso ou não ficar com vontade de ler os seus livros. Mas não sou grande consumidora de críticas literárias, confesso.
15. Uma citação inesquecível que queira dedicar às Senhoras da Nossa Idade
“Solidão apavora
Tudo demorando em ser tão ruim
Mas alguma coisa acontece
No quando agora em mim
Cantando eu mando a tristeza embora.”
São versos do Caetano Veloso em «Desde que o samba é samba». Adoro aquele «quando agora em mim». É exactamente aí que a vida acontece. E também gosto da ideia de que basta cantar (ou dançar ou ler ou o que seja) para mandar a tristeza embora.
Beijinhos a todas,
Céu
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