Não há livros grátis

Foto: Libreria Libros Libres

Queridas senhoras, há dias li no Público que abriu recentemente uma livraria gratuita em Madrid. A iniciativa partiu da ONG Grupo 2013 e sobrevive de donativos e voluntariado.

Este tipo de notícias faz as delícias dos leitores, claro, sobretudo daqueles cujo orçamento não chega para os apetites literários. Eu inscrevo-me neste último grupo, valham-me as trocas de livros das Senhoras...

Mas não consigo evitar uma série de perguntas: livros grátis, porquê? Porque não se venderam? Então mas o papel de disponibilizar livros grátis não é das bibliotecas? Sempre vi as bibliotecas como uma espécie de museus da literatura. As obras estão ali, acessíveis a todos, são bem conservadas e partilhadas. E o que é que acontece às livrarias, sobretudo às independentes, situadas nas redondezas desta? E os autores dos livros? Em que é que isto é diferente da pirataria?

Bem, são muitas as perguntas e muito poucas as respostas. Daí ter decidido consultar um especialista. Perguntei ao Hugo Xavier, editor e pensador do livro, qual é a sua opinião acerca desta notícia (dos efeitos que estas iniciativas podem ter num plano mais alargado).

Aqui fica a resposta:

«O mercado editorial português tem vários problemas crónicos mas que podem, de uma forma ou de outra, ser sumarizados no facto de ser um mercado sobredimensionado. Há demasiadas editoras, livrarias e publicam-se demasiados livros.
Este sobredimensionamento deve-se a um facto económico natural: se as editoras em Portugal trabalhassem apenas para o público habitual comprador do livro, ou eram tão excepcionais (e dentro dessa excepcionalidade só haveria espaço para duas ou três) que fidelizavam todos os leitores, ou faliam porque o volume de negócios não compensa financeiramente.

O público do livro é diverso e variado (como a generalidade dos consumidores de cultura - mas talvez mais do que outros pelo simples motivo de que o livro tem mais categorias e variantes temáticas/formulaicas e outras comparativamente com outra oferta cultural e isso leva a que o público do livro se encaixe em micro-nichos), e sendo diverso e variado é o público que define a segmentação do mercado e o mercado do livro - em todo o mundo - é incrivelmente segmentado.
Ora trabalhar para os segmentos que, ainda por cima, correspondem a nichos com quantidade limitada de consumidores, de um ponto de vista economicista é um desperdício de dinheiro (do ponto de vista editorial, o meu, é um desafio e pêras, daqueles que me motivam a sério). A constatação desse facto levou a que a maior parte das editoras ditas generalistas trabalhassem para os denominados públicos flutuantes, ou seja os compradores esporádicos de livros (que nem sequer correspondem obrigatoriamente a leitores, por vezes são pessoas que compram para oferecer), e que são compradores cujos motivos de compra estão muitas vezes fora da área cultural: são os que compram os livros do momento, os livros das figuras públicas, os que oferecem as antologias sobre o pai, a mão, os avós, nos dias que o ano lhes reserva, etc. Esse público, apesar de espalhado, é ainda assim uma faixa de mercado imensamente maior do que os públicos regulares, os públicos de nichos.

Digo é mas quero dizer era. Com efeito, com a chegada da crise os públicos flutuantes desapareceram de um mês para o outro e as políticas editoriais que tinham esse público em vista e que tinham sido desenvolvidas ao longo de anos e em cima das quais muitas editoras assentavam todo o seu motus operandi, pura e simplesmente ruíram.
Para surpresa dos gestores, os pequenos nichos por eles ignorados são ainda o que mantém algumas editoras à tona.

O que atrás disse vale igualmente para o mercado livreiro e leva à minha opinião final: se acho que é natural que em tempos de crise estes projectos apareçam, e muito sinceramente uma livraria do estilo por país não cause grande mossa (já há clubes de troca de livros na Internet através das redes sociais), não deixa de ser igualmente verdade que, num mercado tão concentrado e sobredimensionado, nenhuma iniciativa não será mais do que uma das muitas palmadinhas nas costas de alguém que se encontra já desequilibrado e muito próximo da queda final.»

Obrigada, Hugo. Vamos acompanhar de perto o novíssimo blogue de que fazes parte, o Edição Exclusiva - Blogue coletivo dos principais especialistas do livro em Portugal - o think tank do livro.


Que daí nasçam muitas e boas ideias!

Beijinhos,

Marta

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