Aqui não há horizontes




Room in Brooklyn, 1932, Edward Hopper


Há um grande vento entre os montes,
E os vales têm alegria.
Aqui não há horizontes,
Mas só os cimos e o dia.
Aqui se esquece o passado,
Até o só imaginado.

Aqui, porque toda a gente
Está do outro lado das serras,
E não há rio que intente
Ligar-nos a outras terras -
Aqui calmos aguardamos
O nada que já esperamos.

Sempre a vontade nos falha
Sempre o desejo nos sobra.
A consciência é uma batalha,
A fantasia é uma obra
Absurda em trezentos tomos.
E a vida é o que não somos.

28 – 10 – 1930
Fernando Pessoa
in Poesia 1918-1930, Assírio & Alvim


Queridas Senhoras,

quando saio de Coimbra, para a beira-mar ou para terras altas, respiro fundo. 'Aqui não há horizontes'. Foi das coisas a que mais me custou habituar (e, na verdade, acho que nunca me habituei, conformei-me).

Já tinha colocado este quadro de Hopper noutro post (o do meu questionário dos 40). Porque é assim que me vejo. Sempre junto à janela, pela luz, não pela vista.

Noutro dia dizia ao Francisco que o nosso 'bairro' se chama Vale das Flores, ao que ele respondeu: «devia chamar-se Vale dos Prédios!» Ontem fomos passear até à serra, ao Parque Biológico, e mal saímos da cidade o miúdo declara: 'Se comprarmos outra casa, quero que seja aqui.' Pronto, está visto, tenho um ruralzinho.

A conversa dos 'vales' lembrou-me de que, na minha outra vida, morei numa Travessa Vale do Rio. Mas, ao contrário do Vale das Flores, não estava no fundo de uma cova. Até tinha que descer uma grande escadaria para chegar à praia (o luxo que era, ir a pé num instantinho até à beira-mar.) Ali, quando me faltava o ar, tinha o horizonte mesmo à mão.

Então ontem, andávamos nós a explorar a serra, eu a respirar bem fundo, e toca o telemóvel. O meu telemóvel quase nunca toca ao fim-de-semana. Era a Sandra. Disse-me de uns planos para o maravilhoso novo projecto da Andreia e do pai, em Cascais, combinámos umas trocas de informações e depois, a rematar: «Olha, e vem morar para Cascais!» Ao que eu respondo, «está bem!»

(A fantasia é uma obra / Absurda em trezentos tomos.)

Beijinhos a todas,
Marta

Comentários

  1. Isto é edward hooper, certo?

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  2. Olá, Ricardo, muito gosto em ver-te por aqui! É sim, tens no segundo parágrafo a referência e um link para mais informação sobre o quadro.

    Beijinhos

    Marta

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  3. Boa ideia vires para cascais! Quem sabe ...

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