Para manter as coisas inteiras

MarkStrand

Queridas Senhoras,

comecei o dia com poesia e trovoada. Se a segunda me atrapalhou bastante a logística matinal, porque tenho que levar o miúdo à escola de carro em vez de ir a pé, porque tenho que repensar o que calçar (ao miúdo e a mim) e o que vestir (idem), porque decido adiar a ida à frutaria mas não sei bem onde a encaixarei no horário de hoje, a primeira sacode-me firmemente e diz-me, ouve lá, mas o que é que tu andas cá a fazer, afinal?
É isto a poesia para mim.

Descobri o poema que reproduzo na imagem acima através do Facebook. Um amigo de um amigo meu (aliás, depois percebo que é amigo de vários amigos meus), Vasco Gato, poeta, publicou a sua versão em português deste poema.
Às sete e tal da manhã, leio Num campo / eu sou a ausência / de campo. / Acontece / sempre o mesmo. / Onde quer que esteja / sou aquilo que falta. 
E sinto-me sacudida.

Vou levar o miúdo à escola à chuva, com os sapatos e o casaco de ontem, de carro, e penso em Merleau-Ponty, tento recordar a ideia de que um corpo não está no espaço, é no espaço, a ideia de que eu sou o meu corpo, decido reler Merleau-Ponty e conhecer Mark Strand, poeta canadiano de que nunca ouvira falar. O Canadá tem vindo a crescer no meu mapa de referências, depois de me apaixonar pelo Rufus Wainwright e pela Alice Munro (e há uma série de bandas muito boas no Canadá, o Gonçalo é que é dado a essas descobertas).

O carro em que levo o miúdo à escola é vermelho e muito velho. É o segundo carro muito velho e vermelho que tenho. E, claro, sempre que me calha um carro vermelho, desato a ver carros vermelhos em todo o lado. E velhos (parece que já não se usa muito, o vermelho...)

Quem és tu?, tenho eu perguntado, nos últimos tempos, a uma ideia, e o que é que te move? Eu sou o meu corpo, respondeu Merleau-Ponty. E movo-me para manter as coisas inteiras, respondeu Mark Strand. Via Vasco Gato, via Rodrigo, via Facebook.

Obrigada a todos eles.

Beijinhos,

Marta

Comentários

  1. [...] Jón Kalman Stefánsson  (e aqui) Keeping Things Whole Lentidão Memórias  (e aqui) Neuman, Andrés Orgulho Penelope Fitzgerald Philip Barrow Quarenta [...]

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