Edward Hopper, Approaching a City, 1946
Queridas Senhoras,
é uma da manhã. Há exactamente 42 anos, nasci para o mundo, numa maternidade que já não existe, de uma mãe que já não existe. Os aniversários são-me sempre agridoces, mas ainda assim nunca me esqueço de que há que celebrar estar viva.
Hoje, enquanto comprava um fogão, uma cama e um ferro de engomar, entoava silenciosamente um trecho de um poema de David Whyte: You are not leaving./ Even as the light fades quickly now,/ you are arriving. E a seguir o meu cérebro fazia, claro, uma ligação imediata: É sempre sem aviso que chegas. Fui agora buscar o livro de José Jorge Letria (O Desencantador de Serpentes) que inclui um poema que me marcou desde que o li pela primeira vez, em 1993, porque aquela sou eu:
Apesar da Viagem
É sempre sem aviso que chegas. Telefonas-me
do café da esquina para dizeres que vais
subir. Trazes um disco para ouvirmos
juntos. Conheço os teus gosto irregulares,
as tuas referências musicais, os adjectivos
com que fustigas tudo o que te desagrada.
Dá-me trabalho descobrir de onde vens.
Há sempre uma cidade, um estúpido drama
caseiro por detrás de cada uma das tuas
chegadas. A porta abre-se e tu entras
e vens desarmada de argumentos, com a voz
enrouquecida do tabaco e da insónia.
Podíamos consumir as palavras todas
de repente ou sentarmo-nos numa esplanada
à espera de que o sol nos caísse na mesa.
Mas ficamos assim presos à rotação do disco,
enquanto as formigas tomam de assalto
o açúcar na borda do pires e o homem da luz
enfia debaixo da porta a conta do mês.
Como estás bonita apesar da viagem.
42 anos é uma bela idade para uma chegada. E como estou bonita apesar da viagem.
Beijinhos muito grandes a todas,
Marta
[...] Marta faz anos hoje e já nos presenteou com um maravilhoso texto que muito me emocionou. Em jeito de homenagem, aqui vai uma espécie de “best of” da [...]
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