Em caso de perigo




Queridas Senhoras,

quem são estes dois estranhos que lavam os dentes eficientemente, com escovas de dentes mecânicas? É um cliché dizer que, com o passar do tempo, marido e mulher podem tornar-se dois estranhos. No caso de Tomas e Ebba isso é uma grande ironia. Eles tornam-se estranhos de um momento para o outro. Um momento terrível, verdadeiramente sinistro, quase inumano. Fala-se de natureza humana a propósito deste filme mas, confesso, achei que a premissa de Força Maior raia a inverosimilhança.

Tinha lido sobre o filme, sabia o que esperar, mas a cena que desencadeia tudo o resto é quase ridícula de tão absurda. Foi o que senti. Digo do que se trata, para quem não está a par (não é spoiler, todas as sinopses o referem).

Uma família, pai, mãe, dois filhos, passa férias na neve, numa estância de esqui. Quando estão a almoçar na varanda panorâmica, assistem a uma avalanche que parece inicialmente um fenómeno controlado. Quando a massa de neve se avoluma, ameaçadora, em direcção ao restaurante, o pânico instala-se, as pessoas gritam. Na confusão, a mãe abraça os filhos, o rapaz grita “Papá!”. E o pai pega no telemóvel e foge. É tão absurdo como isto. (Mas não insistirei mais neste ponto).

O que acontece a seguir? Isto é, o que se passa em duas horas de filme? A família prossegue as férias. Afinal o plano era aproveitar cinco dias para Tomas se dedicar inteiramente à família (a ironia é tão aguda quanto isso).

A magnífica estância de esqui, cheia de mecanismos e automatismos, de ambientes assépticos e fenómenos controlados, continua a funcionar imperturbavelmente. É neste cenário que o drama da sobrevivência da família enquanto tal se irá desenrolar. Tomas há-de reconhecer que é o pior dos homens. Ele admite que mente, foi infiel, fez batota a jogar com os filhos, vê lá como sou patético. Mas fugir? Abandonar os filhos em perigo? Que coisa é que faz isto?

A certa altura, num momento de male-bonding com um amigo no bar, uma rapariga aproxima-se e diz-lhe que a amiga manda dizer que ele é o tipo mais giro do bar. Pouco depois, volta a aproximar-se. Afinal foi engano, não era para ele que a amiga estava a apontar, desculpe lá. A ironia é tramada. Tomas já nem sequer é o tipo mais giro do bar. O que lhe resta como reduto de masculinidade? Emborcar cerveja aos berros?

O filme sucede-se em quadros fixos, esquemáticos, rigorosos. Intercalados com angustiantes panorâmicas da neve, da beleza da paisagem. Que raio de sítio, é o que vos digo.

Este é um filme de terror.

Beijinhos a todas,

Céu

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