Afortunada

noite

Queridas Senhoras,

nunca tinha lido nada de Lídia Jorge. Tinha (tenho) livros dela em casa dos meus pais mas julgo que terá acontecido como no caso de outros livros, de outros escritores: peguei uma vez, peguei duas e a coisa não pegou. De modo que cheguei aos 40 anos (41) sem ter lido nada de uma das mais premiadas escritoras portuguesas. (Isto de dizer “cheguei aos 40 sem ter feito isto ou aquilo” vale o que vale mas tem algum impacto. Há que arrepiar caminho se quero ler escritores que nunca li).

Um pouco inesperadamente, o meu pai ofereceu-me A Noite das Mulheres Cantoras.

Foi uma revelação, uma total descoberta. A vaguíssima ideia que tinha acerca da escrita de Lídia Jorge remetia-me para uma linguagem arcaica ou muito cifrada. Neste livro encontrei uma linguagem claríssima e próxima e uma narrativa estranhamente apelativa.

Sinopse: Solange de Matos, a narradora, retrocede 21 anos, até aos anos 80, quando é estudante na Universidade Nova de Lisboa e conhece o grupo de raparigas que irá mudar a sua vida para sempre. Através do conturbado e hesitante relato de Solange, acompanhamos a formação de uma banda (musical), liderada por Gisela Baptista (a maestrina), que quer romper com o marasmo e enfeitiçar o país. As outras moças são as irmãs Alcides (Nina e Maria Luísa) e Madalena Micaia, The African Lady (que trabalha num restaurante do Bairro Alto e mora na Amadora). Se digo os nomes das personagens e dou detalhes é porque eles me tocaram. Há mais. João de Lucena, o coreógrafo. Murilo Cardoso, o colega de escola e de hospedaria de Solange.

A localização é bem definida. As personagens circulam na Lisboa dos anos 80, entre uma certa garagem no Restelo e a zona das Avenidas Novas. Os “diletantes” encontram-se à mesa da Ideal das Avenidas. É lá que muitas vezes Solange rabisca as suas letras. Lyrics, dizia a maestrina.

Afortunada, afortunada
Tem amor, não tem amante
Tem morada, não tem casa
Tem valor e não tem fama
Afortunada, afortunada
Tem o mundo e não quer nada

O contexto histórico-político também está muito presente. Um importante ponto comum une as cinco raparigas: todas têm ligações a África e sofreram, de uma forma ou de outra, os efeitos da descolonização. São retornadas. Nos anos 80 são raparigas modernas, livres (se excluirmos os namorados violentos), a experimentar a liberdade e a libertinagem do meio artístico.

Esta narrativa fala da construção do êxito, do sucesso, e 21 anos depois a história será contada num formato televisivo do século XXI, a Noite Minuto, um “chuva de estrelas”, efeitos e glamour.

Cinco estrelas para A Noite das Mulheres Cantoras.

Beijinhos a todas,

Céu

Comentários

  1. Rosário simao11/09/15, 17:01

    Aconselho também "O vento assobiando nas gruas". Foram os únicos dois livros dela que consegui ler (também não tentei todos...). Gostei muito dos dois!
    Boas leituras e boas escritas!

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  2. Muito obrigada pela sugestão!

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