Os filhos dos outros

 

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Queridas Senhoras,

o final do ano é tempo de balanços e expressão de desejos. Muitos estarão neste momento a ponderar casar ou não casar, ter ou não o primeiro filho, o segundo ou até, loucura!, “ir ao terceiro”. Outros estarão a fazer outros tipos de planos. Grandes viagens, mudanças de emprego, de vida, de paradigma.

São decisões complexas e pessoais. E os exemplos dos outros não servem. Não se pode reduzir tudo ao argumento de que as pessoas agora não têm filhos, ou têm menos, porque são egoístas. A vida é melhor com ou sem filhos? É uma questão que não faz sentido. Para quem os têm é melhor, pois claro, não concebemos a vida sem eles. Mas não vamos andar por aí a doutrinar os outros para os terem. Ou para ter o segundo. Ou para “ir ao terceiro.” É verdade que fico embevecida com as moças da minha idade que “vão ao terceiro”. Mas fico ainda mais embevecida com a liberdade recém-conquistada, agora que já tenho os meus dois crescidinhos. E não é a liberdade “para ir a Nova Iorque visitar amigos”. É a liberdade para tirar duas horas e ir ao cinema ver um filme de adultos. “Ah, mas isso podes sempre fazer”. Posso. Podemos sempre tudo. Mas não fazemos tudo. É impossível. Fazemos escolhas. E com filhos é sobretudo isso que fazemos. Escolhas permanentes sobre como gastamos recursos finitos como tempo, atenção, dinheiro. Quem nos quer vender que é possível ter o casamento perfeito, filhos, carreira, amigos, vida social, viagens, está a mangar connosco.

A decisão de ter ou não filhos é uma questão que se coloca ali entre os vinte e muitos e os quarenta e poucos. Ou na realidade, entre os 30 e os 40. É pouco tempo! É preciso ter uma relação estável, um trabalho idem, vontade de embarcar nessa aventura, alguma disponibilidade financeira. Antes era tudo mais simples, a maioria das pessoas limitava-se a seguir o modelo predominante. Hoje já não é assim, há vias alternativas embora as mulheres continuem a ser olhadas com mais estranheza. O quê, mas tu não queres ter filhos? Nelas, a pressão é maior e a limitação temporal mais preemente.

A pressão social e cultural ainda se faz sentir mas há cada vez maior liberdade de escolha, autonomia e confiança para procurar o que realmente se deseja, que tipo de vida queremos construir independentemente do que os outros acham que é o caminho correcto a seguir. Para as mulheres é mais difícil, repito. Ser independente. Não viver em função de marido e filhos. Ou eventualmente ter filhos sem um homem. Ou procurar outras fontes de satisfação emocional. As viagens, sim, qual é o problema? E todas as outras relações que se estabelecem, com sobrinhos, com filhos de amigos, com outras crianças.

Todos devem poder decidir em inteira liberdade o modo como conduzem as suas vidas. Diz-se que é preciso coragem para ter filhos. Mas é uma fórmula testada, por assim dizer. Casar, ter filhos, é o modelo vigente. Não será preciso ainda mais coragem para procurar modelos alternativos, numa sociedade que ainda olha com estranheza quem foge à norma?

Feliz Ano Novo!

Beijinhos a todas,

Céu

 

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