As minhas férias numa palavra: proximidade


O médico perguntou:
— O que sentes?
E eu respondi:
— Sinto lonjuras, doutor. Sofro de distâncias.


Caio Fernando Abreu



Minhas queridas senhoras,

se eu tivesse que escolher uma palavra para definir estas férias, seria 'proximidade'.


Da casa da avó ao mar são uns passos, apenas. Ali, a praia é o nosso quintal.


A iguaria nº 2 destas férias foi... salada de tomate. Comemos tudo com salada de tomate. A tia Zila chegava com um saco grande de tomates cultivados pelo marido ali perto e nós dávamos conta dele num instante. (Assim que cheguei a casa fui à frutaria do bairro comprar tomates, mas não é a mesma coisa).


A iguaria nº 1 foram as amêijoas d' A Fonte, como já tem vindo a ser há alguns anos. As sopas de lá também são uma delícia, ao domingo a avó sai de manhã diz: 'Vou à fonte buscar sopa de peixe para o almoço'. Nós sabemos que 'a fonte' é 'A Fonte', um restaurante simples e familiar que fica... mesmo ali pertinho.


Quando o Francisco se suja a comer (ou um de nós!), a avó diz: 'Isso lava-se ali num instantinho'. Não será bem num instantinho, enfim, já que a roupa lavada no tanque, com água fria, e torcida à mão, não tem grande pressa em secar. Mas isso também faz parte das férias na casa da avó: perceber que tudo está mais próximo mas tudo leva mais tempo.O Francisco descobriu os amendoins e o prazer de passar pela praça, ao pôr do Sol, para comprar amendoins, tremoços, pevides... e ver o pôr do Sol (vocês podem vê-lo reflectido nos caracóis do Francisco, é bonito, não é?). Também trouxe amendoins da frutaria aqui do bairro, mas não é a mesma coisa.


Também o podem ver aqui, uns passinhos mais acima, directamente da 'nossa varanda sobre o mar': aquela junto à qual vamos 'levar o lixo'. Sem pressa.


Outra das descobertas do Francisco, este ano, foi o toque do relógio da igreja. O sino está lá, mas o toque, embora soe a sino, é uma imitação. Ainda assim, convenceu o miúdo, que nos fazia sair a correr de casa de casa vez que o relógio começava a tocar (é mesmo ali pertinho), para ir vê-lo. Não há nada para ver, mas vimos esse nada muitas e muitas vezes.




[caption id="attachment_2008" align="aligncenter" width="390"] Quadro de Gama Diniz sobre o '18 de Janeiro'[/caption]

Ao lado da casa da avó há uma loja. Na parede do fundo dessa loja está uma pintura de grandes dimensões que me fazia parar naquela montra sempre que ali passava. Um dia, entrei e perguntei à senhora (à Djanira, agora que a conheço) se podia ver de perto aquele quadro que me intrigava, aquelas mulheres com ar de estarem a presenciar alguma coisa que não devia ter acontecido.

Em conversa com a Djanira, soube que o quadro era de um pintor local, da Marinha Grande, chamado Gama Diniz, e que retratava o '18 de Janeiro'. Tive vergonha de perguntar o que era o '18 de Janeiro' e fui perguntar à avó. «Foi no tempo do Salazar, uma revolta dos operários, mas que não acabou bem, foram muitos presos.» Também fiquei a saber que o pintor Gama Diniz era bem conhecido da avó e do avô, dos tempos da 'Fábrica Velha' e dos encontros no café (ali, uma ou duas portas a seguir à tal loja).

Alguns dias depois encontrei o próprio pintor na loja, pedi-lhe para fotografar o quadro, fiquei a saber que a mulher de vermelho era a única comunista e que as outras não compreendiam o que se estava a passar, ouvi falar do avô e da avó com simpatia e ainda troquei algumas ideias sobre... ideias.

Este ano adiámos o regresso a casa por alguns dias, para saborear o verão generoso e abundante que sobrava ainda por São Pedro, já em Setembro. E para desfrutar um pouco mais da proximidade das pessoas que ali (re)encontramos e que nos fazem bem à alma.

Mas isso é assunto para outro post. Tal como o regresso a casa.

Beijinhos grandes a todas,

Marta

Comentários

  1. Bom dia querida Marta! Recebi ontem o teu postal, muito obrigada. Chegou depois de ti o que é sempre engraçado. Adorei a descrição das tuas férias de proximidade. Têm muitos pontos em comum com as minhas. Por exemplo, o tomate! Comer bom tomate é uma coisa que associo imediatamente às férias (na vida "normal" o tomate não presta grande coisa, o sabor não se compara). Em Lagos comemos tomate bom porque vamos comprá-lo ao "mercado dos produtores", uma feira aos sábados de manhã onde os agricultores das redondezas vêm vender os seus produtos. E na aldeia, oh! céus, comemos o tomate da tia Odete que não se compara com nada. Semeado e colhido por ela, é verdadeiramente um manjar dos deuses. Uma simples salada de tomate é prato principal, merece todo o protagonismo. E as sopas da tia Odete? Panelas onde só entram os legumes plantados e colhidos por ela? São sopas que não são deste mundo, só existem mesmo nas férias :)

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