Queridas Senhoras,
corre tinta que se farta (durante quanto tempo mais poderemos dizer tinta em vez de bytes?) sobre a recusa de Maria Teresa Hora de receber o prémio D. Dinis pela mão de Pedro Passos Coelho. O prémio foi-lhe atribuído pela sua monumental obra 'As Luzes de Leonor'.
"Na realidade eu não poderia, com coerência, ficar bem comigo mesma, receber um prémio literário que me honra tanto, cujo júri é formado por poetas, os meus pares mais próximos - pois sou sobretudo uma poetisa, e que me honra imenso -, ir receber esse prémio das mãos de uma pessoa que está empenhada em destruir o nosso país", lê-se no Expresso.
O gesto diz muito de Maria Teresa Horta, claro, embora nada que não soubéssemos já. Mas o espanto nalgumas reacções diz mais ainda sobre o nosso país. O espanto, quero eu dizer, tanto pela positiva como pela negativa. É de louvar a tomada de posição, é muito importante para a mensagem que uma parte significativa do país (aquela que hoje daria a maioria à esquerda) quer transmitir ao governo. É pena que cause espanto, quer dizer que é pouco habitual no nosso país ver as pessoas viverem as suas vidas públicas exactamente como vivem as suas vidas privadas.
Mas não é caso único, claro que não. Eu proveito este post para saudar Maria Velho da Costa, uma mulher admirável, que sempre esteve um passo à frente, de crenças feitas também de acções, uma mulher que tem ajudado a reescrever as páginas dedicadas às mulheres na história dos tempos, com mais verdade, com mais Mulher.
E também para recordar dois homens que fizeram, igualmente, correr muita tinta (e bytes, este próximo) aquando de atitudes semelhantes. Mais radicais, mas isso prende-se com as motivações que moveram cada um deles.
O 'caso Luandino Vieira' foi vivido na nossa família com uma atenção especial. Foi em Maio de 2006. O escritor angolano, nascido em Portugal, recolheu-se no silêncio da sua morada (uma casinha nos terrenos do Convento SanPayo, em Vila Nova de Cerveira, cedida pelo escultor José Rodrigues, seu amigo e dono da propriedade) ao saber que tinha sido distinguido com o Prémio Camões, o maior galardão literário da língua portuguesa. Alguns dias mais tarde, fez chegar ao Ministério da Cultura a informação de que declinava o prémio "por razões íntimas, pessoais".
As razões íntimas e pessoais começaram a aparecer, depois, nalgumas entrevistas. Estava ali há 11 anos para se isolar e pensar Angola para escrever Angola. Não tinha espaço para a exposição mediática que adviria da aceitação de tal prémio (no valor de 100 mil euros).
Houve uma pessoa da nossa família que ficou maravilhada com esta capacidade de despojamento e de dedicação à escrita. Quando soube do Convento, escreveu-lhe uma carta a dar-lhe os parabéns pela capacidade de recusar tanto dinheiro em prol da sua privacidade e da sua criação. Pois querem saber que mais? Luandino Vieira respondeu-lhe, como uma cópia docemente autografada do seu 'O livro dos rios'.
Em 1994, António Alçada Baptista e Clara Ferreira Alves rumaram a Cascais, à procura da casa de Herberto Helder, para lhe darem uma notícia difícil: a de que tinha sido distinguido com o Prémio Pessoa pela sua obra que "ilumina a língua portuguesa".
O encontro é sublime e, felizmente, temos o privilégio de poder ler as impressões tanto de Alçada Baptista como de Clara Ferreira Alves aqui.
Na altura o prémio era de 'sete mil contos'. «O dinheiro fazia-me jeito, estou a precisar de um helicóptero.» Primeiro a ironia. «Vocês não digam a ninguém e dêem o prémio a outro...» Depois, a aparente ingenuidade. «Peço que vocês sejam meus mandatários e digam ao júri que eu agradeço mas não posso aceitar.» Por fim, a assertividade.
Que outra coisa esperar do poeta que reza assim?
«Meu Deus
faz com que eu seja sempre
um poeta obscuro»
Na sua desconstrução de ‘Húmus’ de Raúl Brandão, Herberto Helder define-se:
«Tocamo-nos todos como as árvores de uma floresta
no interior da terra. Somos
um reflexo dos mortos, o mundo
não é real. Para poder com isto e não morrer de espanto
– as palavras, palavras.»
E na sua vida, no seu dia-a-dia, também.
Beijinhos a todas,
Marta
corre tinta que se farta (durante quanto tempo mais poderemos dizer tinta em vez de bytes?) sobre a recusa de Maria Teresa Hora de receber o prémio D. Dinis pela mão de Pedro Passos Coelho. O prémio foi-lhe atribuído pela sua monumental obra 'As Luzes de Leonor'.
Maria Teresa Horta |
O gesto diz muito de Maria Teresa Horta, claro, embora nada que não soubéssemos já. Mas o espanto nalgumas reacções diz mais ainda sobre o nosso país. O espanto, quero eu dizer, tanto pela positiva como pela negativa. É de louvar a tomada de posição, é muito importante para a mensagem que uma parte significativa do país (aquela que hoje daria a maioria à esquerda) quer transmitir ao governo. É pena que cause espanto, quer dizer que é pouco habitual no nosso país ver as pessoas viverem as suas vidas públicas exactamente como vivem as suas vidas privadas.
Mas não é caso único, claro que não. Eu proveito este post para saudar Maria Velho da Costa, uma mulher admirável, que sempre esteve um passo à frente, de crenças feitas também de acções, uma mulher que tem ajudado a reescrever as páginas dedicadas às mulheres na história dos tempos, com mais verdade, com mais Mulher.
E também para recordar dois homens que fizeram, igualmente, correr muita tinta (e bytes, este próximo) aquando de atitudes semelhantes. Mais radicais, mas isso prende-se com as motivações que moveram cada um deles.
Luandino Vieira |
As razões íntimas e pessoais começaram a aparecer, depois, nalgumas entrevistas. Estava ali há 11 anos para se isolar e pensar Angola para escrever Angola. Não tinha espaço para a exposição mediática que adviria da aceitação de tal prémio (no valor de 100 mil euros).
Houve uma pessoa da nossa família que ficou maravilhada com esta capacidade de despojamento e de dedicação à escrita. Quando soube do Convento, escreveu-lhe uma carta a dar-lhe os parabéns pela capacidade de recusar tanto dinheiro em prol da sua privacidade e da sua criação. Pois querem saber que mais? Luandino Vieira respondeu-lhe, como uma cópia docemente autografada do seu 'O livro dos rios'.
Em 1994, António Alçada Baptista e Clara Ferreira Alves rumaram a Cascais, à procura da casa de Herberto Helder, para lhe darem uma notícia difícil: a de que tinha sido distinguido com o Prémio Pessoa pela sua obra que "ilumina a língua portuguesa".
Herberto Helder por Frederico Penteado |
Na altura o prémio era de 'sete mil contos'. «O dinheiro fazia-me jeito, estou a precisar de um helicóptero.» Primeiro a ironia. «Vocês não digam a ninguém e dêem o prémio a outro...» Depois, a aparente ingenuidade. «Peço que vocês sejam meus mandatários e digam ao júri que eu agradeço mas não posso aceitar.» Por fim, a assertividade.
Que outra coisa esperar do poeta que reza assim?
«Meu Deus
faz com que eu seja sempre
um poeta obscuro»
Na sua desconstrução de ‘Húmus’ de Raúl Brandão, Herberto Helder define-se:
«Tocamo-nos todos como as árvores de uma floresta
no interior da terra. Somos
um reflexo dos mortos, o mundo
não é real. Para poder com isto e não morrer de espanto
– as palavras, palavras.»
E na sua vida, no seu dia-a-dia, também.
Beijinhos a todas,
Marta
[...] Estou a pre… A poesia do… MECxPM Nem que eu leve… [...]
ResponderEliminar