The washday


Jean-Baptiste Greuze, La Blanchisseuse, 1761

Queridas Senhoras,

«Jacob Dietmahler was not such a fool that he could not see they had arrived at his friend's home on the washday.» Com esta frase entramos em mais um livro de Penelope Fitzgerald sobre o qual vos falarei um dia, The Blue Flower. É uma das minhas releituras, mas desta vez à segunda volta optei pelo original. Na tradução portuguesa, «the washday» é «o dia da barrela».

Aconteceu que esteve cá a Sandra. Ela e o Pedro regressavam das Correntes d'Escritas e almoçaram connosco. Para além de matar saudades, falámos muito sobre escrita e sobre livros. Na verdade, acho que é assim que matamos saudades. A Sandra vinha cheia de coisas para contar e mostrar, claro.

Era dia da barrela cá em casa. Não creio que eles tenham dado por isso, porque eu decidi que só ao final da tarde abraçaria (literalmente) a tarefa. Jacob Dietmahler ficou tão constrangido por encontrar a casa do amigo coberta de roupas lavadas e por lavar que eu não ousaria impor tamanho incómodo aos meus amigos.

Quando, finalmente, me resignei a mergulhar nos cestos, lembrei-me de falarmos, ao almoço, de como parece que passou um ano em que pouco mais fizemos para além de máquinas de roupa. Separo as peças em montes; no chão da cozinha vão crescendo a pilha branca, a pilha escura, a pilha de roupa de casa. As meias saltam como gafanhotos e eu adivinho quantas ficarão irremediavelmente desirmanadas ao final do dia. Começo a carregar a primeira dose e não cabe nem metade. Lembro-me da apresentação de Gonçalo M. Tavares, a que a Sandra assistiu na Póvoa; lembro-me, melhor dizendo, do relato dela. De como o escritor começou por colocar uma garrafa de água e um copo à sua frente, para ilustrar a diferença entre a nossa mentalidade (nós, ocidentais) e a dos japoneses. É simples: onde nós vemos uma garrafa e um copo, os japoneses vêem uma garrafa, um copo e o espaço que existe entre os dois objectos. Procuro ver o espaço que existe entre as peças de roupa que enfiei no tambor da máquina. Talvez ainda caiba um soutien entre o bibe do Francisco e as calças de fato-de-treino. Talvez não. E a minha saia preferida? É capaz de se conseguir enfiar por entre as toalhas de mesa, já é velha, não tinge... Não me parece. Ainda tento espalmar uma fronha de almofada para lhe encostar um saco de pano, agora preciso de sacos de pano para tudo, mas escorrega para o chão. Enfim. 45 minutos, 30 graus, on.

Talvez o nosso problema (nós, os ocidentais) seja falta de visão. Uma questão oftalmológica e não cultural. Para a próxima máquina de roupa, ponho os óculos. Até tenho uns óculos novos, mostrei-os à Sandra quando ela me falou na Miopia, a 7ª edição da Flanzine. É a tua cara, disse ela. Com ou sem óculos? Com ou sem Ana? Com ou sem tema? Folheio-a e procuro ver, entre as páginas, espaço onde caiba. Eu. Sem aquela gente toda à volta, sabem?

«The people you've been before
That you don't want around anymore»




Beijinhos,
Marta

Comentários

  1. Lá está, dois temas que me agradam: literatura e roupa lavada. Gostei muito do quadro, não conhecia. Hoje também foi dia da barrela cá em casa.

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  2. E foste parar à cave?

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