Contos para a infância no D. Maria

Queridas Senhoras,

hoje conseguimos finalmente assistir à Leitura de Contos para a Infância no Teatro Nacional Dona Maria II. Acontece aos domingos de manhã (mas não muito de manhã, é às 11h30), uma vez por mês, e a entrada é livre. Em cada sessão há um escritor convidado, cujas histórias são lidas e dramatizadas por actores. Na segunda parte há uma conversa entre o escritor e o público. A iniciativa começou há uns meses, desde o princípio que queríamos lá ir mas acabámos por perder várias boas sessões. Assim de cabeça lembro-me do António Torrado e da Alice Vieira.

Mas hoje não podíamos falhar. A escritora era a Luísa Ducla Soares por quem tenho um carinho muito especial. Os primeiros livros que comprámos para ler à Alice foram os dela. Livros de rimas, sobretudo, muito musicais e com imensos jogos de palavras. Lembro-me da Alice ser uma bonequinha de caracóis castanhos (antes de lhe cortamos o cabelo e os canudos desaparecem para sempre) e ficar entretida na cama, enquanto eu despachava as tarefas, com uma pilha de livros e a recitar as rimas:

Diz o Dom Gato para a Dona Gatinha:
Não queres casar a nossa filhinha?
Já tem seis meses, sabe arranhar
E os os seus bigodes são de encantar

De modo que fiquei com uma grande ternura pelos livros da Luísa Ducla Soares, fazem-me lembrar essa bonequinha leitora :).

A sessão no D. Maria foi fantástica, aproveito para recomendar a todos os que nos lêem. Já fomos a várias horas do conto. Mas nenhuma num espaço como o belíssimo Salão Nobre do teatro, com os seus enormes lustres e aquele ambiente imponente mas, ao mesmo tempo, acolhedor. Depois, não é uma mera hora do conto. As histórias são encenadas e dramatizadas por verdadeiros actores, há vários adereços, música, iluminação - é quase uma peça de teatro. Já disse que é grátis?

A seguir a escritora veio conversar com o público, responder a perguntas, contar as suas próprias histórias. E que prazer toda aquela conversa, conhecer de perto e ouvir aquela senhora de 73 anos, pele lisa e ar de menina (tinha um rabo de cavalo), dizer que já está a fazer marcações para ir ler a escolas, e a outros locais, para daqui a três anos! Nas datas mais concorridas, como o Dia do Livro ou o Dia da Criança, já só tem disponibilidade para 2016!

Entre muitas coisas, contou que começou a escrever aos 10 anos. E aos 13 escrevia autênticas novelas para entreter e "domar" um irmão terrivelmente endiabrado, 10 anos mais novo. Ao longo da vida, teve mais de 70 animais de estimação (contabilizou um dia, com a neta, depois de lhe terem perguntado porque escrevia tanto sobre animais). Quando era pequena, pediu ao pai para lhe oferecer um leão ("pequeno, para não me comer"). Queria aprender a ser domadora para trabalhar no circo. O pai, que era médico e investigador, trouxe-lhe um dia uma caixinha, aqui está o teu animal de estimação. Ela ainda pensou que fosse um cão, daqueles pequeninos. Eram três ratos de laboratório. Há que trabalhar com o que se tem e não desistir dos sonhos por isso a pequena Luísa treinou e treinou o seu número de ratos equilibristas até à perfeição.

Entre muitas outras coisas, disse que a infância nem sempre é essa coisa maravilhosa que se diz, que é importante fazer as crianças rir, rir muito, porque elas não são sempre felizes, também sofrem. E que é preciso combater o cinzentismo e as dificuldades com uma boa gargalhada. Rir muito, lutar pela alegria.

Entre muitas outras coisas, quando lhe perguntaram se ela poderia ir ler histórias ao IPO, ela disse que já tinha ido a vários hospitais e centros com crianças doentes. Mas que ao IPO não sabia. Não sabia se era capaz. Contou-nos que lhe morreu um filho de 5 anos. Que durante dois anos acompanhou a doença dele sem deixar de lhe passar esperança e alegria um único dia. Que quando ele morreu não foi ao funeral. E nunca visitou o local onde ele foi enterrado. E não sabe se é capaz de ir contar histórias às crianças do IPO. Mas, quem sabe, talvez seja uma boa ideia.

Beijinhos a todas