Velho ano novo

 "A lot of our ideas about what we can do at different ages and what age means are so arbitrary — as arbitrary as sexual stereotypes. I think that the young-old polarization and the male-female polarization are perhaps the two leading stereotypes that imprison people. The values associated with youth and with masculinity are considered to be the human norms, and anything else is taken to be at least less worthwhile or inferior. Old people have a terrific sense of inferiority. They’re embarrassed to be old. What you can do when you’re young and what you can do when you’re old is as arbitrary and without much basis as what you can do if you’re a woman or what you can do if you’re a man." Susan Sontag


120913-french-women-dont-get-facelifts-340Queridas Senhoras,


os estereótipos são as ferramentas da imbecilidade. Sabemos isto, mas não conseguimos viver sem eles. Lembram-se da célebre questão levantada nas primeiras aulas de filosofia? 'O que é uma mesa?' Todos avançávamos com definições, seguros de sabermos exactamente o que é uma mesa, até sermos confrontados com as falhas. 'É uma peça de mobiliário.' 'Então e as mesas de ténis ou as mesas de operações?' 'Tem um tampo e quatro pernas.' 'E se tiver só três pernas?' 'É o sítio onde servimos as refeições.' 'Então, um prato também é uma mesa?' 'É o sítio onde colocamos os pratos nos quais servimos as refeições.' 'Então, um tabuleiro também é uma mesa?'

O que é um homem? O que é uma mulher? O que é um homem novo? O que é uma mulher velha? Imaginem se tentássemos, de facto, investidos de toda a nossa capacidade de produzir raciocínios lógicos, responder a estas questões. Não obstante esta evidente impossibilidade, acreditamos que temos respostas e gerimos as nossas vidas, os nossos dias, a nossa visão dos outros, do mundo e de nós próprios, em função delas.

Mireille Guiliano acaba de lançar mais um potencial best seller: French women don't get facelifts. E se eu já achava que 2014 seria o ano da idade, agora tenho a certeza disso. Aqui no nosso blogue será o ano em que completamos o ciclo dos 40 e em que começaremos a publicar entrevistas sobre esse marco. O objectivo é lançar a discussão, desafiar as nossas mentes, aprender. Temos que conseguir aprender mais sobre a idade, no geral, e a velhice, em particular, para podermos inviabilizar com sucesso alguns dos estereótipos mais castradores dos nossos tempos (no nosso contexto, bem entendido).

Eu sempre me considerei velha de alma. Não sei se nasci assim ou se me tornei assim, mas a verdade é que sempre dei prestei muita atenção à velha que há em mim. As entrevistas de Marguerite Duras, os documentários de Agnés Varda, os diálogos entre Henry Miller e Anaïs Nin, as reflexões de Iris Murdoch, a clarividência de Doris Lessing - tudo exemplos que cimentaram em mim esta desconfiança de que algo de magnífico nos espera, bem lá mais para a frente, caso tenhamos a sorte de lá chegar.
Chegar aos 40 lembra-me que o corpo começa a ganhar terreno e não tarda está a par da alma. Que idade terá a minha alma, na verdade? Será interessante descobri-lo.

Envelhecer é um privilégio. Eu sinto-me privilegiada desde os 37, altura em que ultrapassei a minha mãe em tempo de vida. Mas a velhice é, também, nos tempos que correm e no contexto em que vivemos, um luxo, e isso é criminoso. Temos que saber o que é a velhice, temos que aprender a amá-la e a glorificá-la pelo extraordinário feito que representa, e temos que lutar por uma sociedade em que haja condições para envelhecer. Com saúde, com paz de espírito, com dignidade. Com as contas pagas e a mesa posta, e com companhia à mesa, que a solidão mata bem mais depressa que a idade.

Parece-vos uma resolução de ano novo demasiado ambiciosa?

Feliz ano novo, queridas senhoras, e feliz ano novo a todos quantos nos acompanham nestas deambulações. Que possamos envelhecer juntos por muitos e bons anos!

Comentários

  1. Fiz 40 este ano e não me podia sentir melhor. :) Senti um clique, qualquer coisa cá dentro que me abrandou e ensinou a deixar ir - em inglês "to let things go" que sabe muito melhor. Estava à espera do drama-da-minha-vida mas não. Foi pacífico. Adorei.
    Cá estarei para te ajudar no ano dos 40. Espero que te custe tanto como me custou a mim. NOT! :)

    Bom ano!

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  2. [...] Envelhecer Feedly Gramática Herberto / Hopper  (e aqui) [...]

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