Palavras para viver

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Queridas Senhoras,

já aqui escrevi um primeiro post acerca deste livro, Paraíso e Inferno, de Jón Kalman Stefánsson, e na ocasião preveni que não seria o último. Pois bem, eis a segunda (e ainda não última) parte.

Quando eu era miúda, adolescente, descobri, nas minhas reflexões (invariavelmente filtradas pela escrita) um chavão que, na minha opinião, ajudava a perceber um pouco melhor as relações humanas. Rezava assim: 'as palavras são o maior obstáculo à comunicação'. Para quem sempre soube que o seu caminho se faria de palavras, uma dedução algo catastrófica.

Em vários momentos da leitura de Paraíso e Inferno reencontrei este problema. Uma das dicotomias em que assenta a narrativa é entre, precisamente, a alienação pelas palavras e o pragmatismo dos gestos seguros e coordenados (uma questão de vida ou de morte no mar, como tão bem ilustra a morte de Bárdur).

Estes dois trechos resumem a questão:

"Pronto! E Árni e Pétur puxaram os remos para dentro.
Uma palavra, que é, contudo, dificilmente uma palavra, e é, no geral, completamente inútil, dificilmente dizemos pronto! quando sonhamos com o propósito, ansiamos por lábios, toque, dificilmente suspiramos pronto! quando atingimos um orgasmo, não dizemos pronto! quando alguém nos abandona e os nossos corações se endurecem como pedra. Mas Pétur não precisa de dizer mais. Os homens não precisam de palavras no mar aberto. O bacalhau não se interessa por palavras, nem quaisquer adjectivos como esplêndido. O bacalhau não se interessa por quaisquer palavras e, porém, nada nos mares quase sem se alterar há 120 milhões de euros. Isto diz-nos algo sobre a linguagem? Talvez não precisemos de palavras para sobreviver; por outro lado, precisamos de palavras para viver."


"Bem, diz Helga.
'Bem' é certamente a palavra mais importante que existe em islandês, pode unir instantaneamente dois estranhos.

O rapaz caminha até ela e ela diz, agora precisas de comer, e ele diz, sim."

Bem, digo eu, agora preciso de continuar à procura das palavras mais importantes, das palavras mais claras, das palavras mais límpidas. O ponto exacto em que aquilo que eu pretendo comunicar, aquilo que eu entendo que as palavras significam e aquilo que os outros entendem que as mesmas palavras significam seja uma única coisa. Paraíso ou inferno?

Beijinhos,

Marta

Comentários

  1. [...] Não há como não reparar nos pontos em comum entre os vários livros da Marta, como o facto de se situarem em povoações costeiras e em espaços mais ou menos fechados, circunscritos. Como Paraíso e Inferno sobre o qual a Marta escreveu dois posts, aqui e aqui. [...]

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