Queridas Senhoras,
fundador da Chili com Carne (editora e associação cooperativa de jovens artistas) e bibliotecário recomendado pelos leitores (trabalha na Bedeteca de Lisboa), Marcos Farrajota é também editor e autor. Lançou recentemente, com Afonso Cortez, um split-book (dois livros num), Corta-e-cola - Discos e histórias do punk em Portugal (1978-1998) e Punk Comix - Banda desenhada e punk em Portugal. Coordenou Zona do Desconforto, vencedor do Melhor Álbum Nacional no Amadora BD em 2014.
1. O que está a ler neste momento?
Frankenstein da Mary Shelley, coincidência feliz, encontrei o livro nesta altura que estamos a promover o "nosso" Frankenstein na Chili Com Carne - ou seja o mashup literário do Riccardo Balli (DJ Balli) que pega no livro de Shelley e remistura com conceitos de música 8bit e cultura pós-rave. Sim sim... Olha a publicidadezinha: Frankentein, or the 8 Bit Prometheus : micro-literature, hyper mashup, Sonic Belligeranza records 17th Anniversary. Um desafio literário para melómanos.
2. O que leu antes e o que vai ler a seguir?
Li um livro de crítica a Proudhon e a Marx dos anos 70, não me lembra o autor mas o que importa é que Proudhon ganha! Marx é um robot como todos os alemães! O próximo deverá ser o Central Europa do William T. Vollmann, pela 7 Nós.
3. Conte-nos uma memória de infância relacionada com livros
Acho que prefiro responder isto com duas ilustrações vindas de um painel de 3x3 imagens dedicado ao "Mistério da Cultura" - tema de uma exposição de 2007. O painel faz o meu retrato com nove momentos culturais importantes desde a infância à juventude.
4. Que livros marcaram a sua adolescência?
5. Um local público onde goste de ler
Só se for na praia porque odeio praia e invés de me estar a destilar ódio mais vale ler livros... De resto, sítios públicos e leitura íntima não me parecem compatíveis, leio no Metro também tentando isolar-me das pessoas com os seus smart-phones proporcionais à falta de inteligência dos donos. Claro que só dá para ler coisas mais ou menos soft como o Frankenmarx Proudstein...
6. O seu recanto preferido de leitura (em casa)
Sofá, branco com pinta colonial de novo-rico pimba da bola - foi oferecido, a cavalo dado não se olha o dente... tudo piora com os totens da exposição do Anton Kannemeyer. Como o resto da mobília foi encontrada na rua, o aspecto da sala volta à normalidade mas aquele sofá com a delícia do sol a bater...
7. Uma biblioteca importante para si
A Bedeteca de Lisboa, claro está... trabalho neste equipamento desde 2000 e a cuidar da biblioteca per se desde 2006 creio eu... Mais de 10000 volumes de BD ou que dá 5 milhões IPM (imagens por minuto). Em cima, a biblioteca "normal" dos Olivais está bem servida de clássicos e novidades. Para já não falar do jardim simpático do Palácio Contador-Mor e dos Olivais ser o único bairro com espaços verdes à séria de Lisboa. De manhã, o cheiro das fezes dos animais da vizinha Quinta Pedagógica confundem os sentidos, estamos numa cidade ou no campo?
8. As livrarias que costuma visitar
Existem? Ironia à parte no Porto é impossível não visitar a Mundo Fantasma (a melhor loja de BD em Portugal) e a Utopia. Em Lisboa destacaria a Livraria do Simão (a mais pequena em Portugal mas com uma selecção ímpar) e a Nova Livraria Francesa que merece ser vista como a "única boa livraria em Portugal" mas, hélas!, está tudo em francês! Até leio francês mas dá-me mais trabalho (menos gozo). A selecção para quem gosta de arte, bd, estética, filosofia, política, etc... é um primor. É claro que a minha crítica é injusta para as outras livrarias porque o problema não é dos espaços ou dos seus livreiros mas do que se edita por cá... bof!
9. Uma editora de que goste particularmente
A Antígona, a única que tem coerência de catálogo, seja de ficção ou ensaio,... as outras editoras tem coisas de vez em quando. Na Antígona, até com o livro mais fraco "aprende-se" mais do que com catálogos inteiros de certas editoras, comerciais ou não. Teve um período difícil mas o seu regresso nos últimos anos tem sido em grande! Graficamente está muito bem servida sob a batuta do Rui Silva e as outras suas chancelas - Orfeu Negro e Mini Orfeu - são impecáveis. Não há nenhuma editora portuguesa que tenha a coerência e o brio da Antígona.
10. Que livros gostaria de reler?
Não tenho essa necessidade, só quando surge uma dúvida qualquer, uma frase misteriosa a pairar na cabeça e aquela irritação típica "onde li isto?". Ou quando faço limpezas étnicas nas prateleiras, sobretudo nos autores portugueses que fico sempre a olhar para as capas e a pensar do que do que trata o livro ou porque o li ou se gostei dele? O Gaibéus foi à vida no outro dia, li no nono ano, parece que gostei na altura, fiquei pensar porquê e reli-o... Chato chato chato...
11. Que livros está a guardar para ler na velhice?
Espero não guardar nada para a velhice. E espero conseguir ler o que me apetecer na velhice senão o que fazer da vida? Bom, terei sempre o Suicídio - Modo de Usar (Antígona, 1990) à mão pelo sim, pelo não...
12. Acessórios de leitura que não dispensa
Lápis nunca, nunca sujar um livro! Capa protectora também não, se a capa se suja a culpa é do editor e do designer, e não tenho vergonha de ler o título mais escatológico no metro... óculos sim, a idade obriga, e uso marcadores horríveis que vou estragando-os de propósito para me livrar deles. Devia haver um limite de quatro marcadores apenas em cada casa - que lixo!
13. E se um livro não prende, põe-se de lado ou insiste-se?
Insisto sempre, se não der mesmo ainda leio assim na diagonal para apanhar alguma coisa... ou não, se não apanhar é porque é mau. Este método resulta sempre com a literatura portuguesa ou com teses académicas!
14. Costuma ler sobre livros? Quais são as suas fontes?
Os jornais estão reféns das grandes editoras e grupos económicos, a maior parte actualmente são reaccionários por isso não acredito nos seus suplementos culturais. Ler resenhas em ecrãs a vista desaconselha e nem a mente memoriza a informação - a não ser que queira mesmo por alguma razão muito específica. As "fontes" são amigos, livreiros e referências que vou apanhando noutros livros (ensaios) ou antologias. Claro que seria injusto dizer que se não fosse o jornal Coice de Mula nunca chegaria ao meu escritor favorito Albert Cossery mas outro escritor que adoro, o Thomas Bernhard, foi um livreiro que mo aconselhou e a surpresa do Michel Houellebecq foi o escritor Rafael Dionísio que ma mostrou... Don't believe the hype!
15. Uma citação inesquecível que queira dedicar às Senhoras da Nossa Idade
«Se tens talento, Corvo, imitam-te. Se te imitam, estás na moda, Se estás na moda, passas de moda... portanto, é melhor não ter talento.» - in O Diário de Jules Renard lido por Fred (Bertrand; 1989).
Beijinhos a todas,
Céu
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