Os livreiros falam às Senhoras: Aida Suárez Gutierrez (Confraria Vermelha Livraria de Mulheres)



Queridas Senhoras,

hoje falamos com a fundadora e responsável de uma livraria especializada em Literatura escrita por mulheres e em História das mulheres. A Confraria Vermelha Livraria de Mulheres nasceu no Porto, em 2015, e é o projecto de vida de Aida Suárez Gutierrez que se diz oriunda de uma 'família de leitoras'. Espaço privilegiado de encontros, a livraria mantém uma agenda muito preenchida com leituras, ciclos de debates, apresentações de livros, oficinas, para além de um concorrido clube de leitura mensal. Aida ajuda-nos a perceber melhor o enquadramento e os objectivos deste projecto que procurar dar maior visibilidade às mulheres escritoras.


1. Quando e como se tornou livreira?

‘Não se nasce livreira, torna-se livreira’. Brinco com a frase da  Simone de Beauvoir porque em verdade tal como as circunstâncias (educativas, culturais, biológicas, políticas…) nos definem dentro do binarismo de género (no qual se organiza a nossa sociedade) como mulheres ou homens, também essas mesmas circunstâncias influenciam as nossas ‘escolhas’ laborais e os nossos projetos de vida. No meu caso não há nada ‘genético’ em ser livreira, não venho de uma família de livreiros mas  pensando bem.. até pode ser que haja algo de ‘genético’ porque venho de uma família de leitoras com as quais aprendi a cultivar a paixão pelo livro. Cresci sempre rodeada de livros. Terminados os estudos, o meu primeiro trabalho foi como Animadora Sociocultural numa biblioteca escolar onde a relação com o livro se estreitou ainda mais. Por isso, de forma mais ou menos consciente, acho que a ideia de ter um projecto de vida onde o livro fosse um dos pilares, sempre esteve em mim e ganhou força em 2015 e agora é uma realidade.

2. Para si, o que é uma livreira?

Há algo de romântico sempre associado a imagem da livreira ou do livreiro, muitas das pessoas que adoram ler dizem que sonham um dia ter uma livraria. Porque acham que vão ter mais tempo para ler mas nem sempre é assim! Há uma livraria, a The Open Book, em Wigtown, que tem uma actividade que é mesmo essa, ser livreira por um dia. De certa maneira, esta aura romântica da livreira é merecida, porque as livreiras são pessoas que se dedicam a ler e a partilhar generosamente (apaixonadamente) essa paixão. É uma forma de vida. Não sei se há livreiras que não lêem, tenho a sensação de que se não lêem se transformam em meros vendedores de livros e o livro é apenas mais um produto. Aborrece-me um bocado que os vendedores de livros nos queiram dar o que querem vender e não o que gostariam de ler. Hoje, na era de um mercado sem limites nem ética, isto acontece. Por isso o papel da livreira passa por manter e cultivar a nossa relação com o objecto livro, com a leitura e com a literatura.

3. Como caracteriza a sua livraria?

A Confraria Vermelha é um espaço peculiar onde se procura evidenciar que a nossa vida se constrói sobre a história e os ensinamentos de outras pessoas que vieram antes de nós, com a especificidade que nos especializamos na Literatura escrita por mulheres e na História das mulheres. Por isso no catálogo de livros que tentamos (re)construir encontramos referentes em personagens como Jo March, Pippi Långstrump, Jane Eyre ou em autoras como Virginia Woolf, Maria Isabel Barreno, Margaret Atwood, Virginie Despentes, Yaa Gyasi, Simone de Beauvoir, Teolinda Gersão ou Marjane Satrapit. A biografia da Confraria Vermelha Livraria de Mulheres constrói-se a partir destes (e outros) livros e das Mulheres da História, tornando-se n’Um quarto próprio partilhado onde habitam todas essas mulheres do passado com as do presente e as do futuro. Onde convidamos todas as pessoas que gostam de ler e de conviver a viajar pelas estantes e reconstruir a história trazendo as vozes ausentes.

4. Qual entende ser o papel das livrarias independentes nos bairros, vilas e cidades?

Fazer parte da vida quotidiana das pessoas, ser um espaço que acompanha. A virtude das livrarias tradicionais são as mesmas que as de uma amiga ou amigo. A amizade é não enganar e oferecer sempre o melhor. Uma livraria tradicional (ou independente) deve criar uma ‘biblioteca’ pessoal mas para as outras pessoas assim como partilhar, acompanhar as novas gerações no caminho dos livros…

5. Quais são os principais clientes da sua livraria e o que procuram?

São pessoas que gostam de ler e de conviver.

6. Em sua opinião, o que pode contribuir para formar mais e melhores leitores?

Devo confessar que há uma parte desta questão que me inquieta, é a parte dos ‘melhores leitores’. O que é ser melhor leitora/o? Ler muitos livros? Ler determinados autores ou autoras? Talvez este ‘melhores leitores’ não vá em nenhum destes sentidos. Não sei responder.
No que diz respeito a contribuir para que a leitura faça parte de forma mais ampla da nossa vida, a educação é fundamental. É fundamental que o sistema escolar deixe de estimular uma relação de dever com o livro, criamos um plano de leitura mas não criamos um plano de como nos aproximar de um livro, da leitura e da literatura, falta-nos ‘inteligência emocional leitora'.
Os preços dos livros (da cultura em geral) é muito elevado, um livro em média custa entre 12€ a 15€ o salário mínimo é de 580,80€, se fizermos contas, a equação para comprar livros não bate certo. Também seria interessante que não permitíssemos que o consumismo se aproprie do livro como um mero produto de entretenimento. A expansão da literatura como distracção não me parece ser positiva e pode até afastar novas gerações leitoras. Contudo, vou contradizer-me, claro que a literatura pode ser entretenimento, no sentido de que muitas pessoas que lêem o fazem no seu tempo livre, o que não podemos é ver a literatura como um mero passatempo. Ler não é (apenas) um passatempo que escolhemos é muito mais.
Enquanto livreiras podemos deixar o nosso grão de areia através da organização de eventos, como clubes de leitura, debates e conversas em redor ao livro e da literatura, assim como encontros com as escritoras.

7. Por último, pode recomendar-nos dois ou três livros importantes para si?

Um quarto só para si, de Virginia Woolf (1929)
Três Mulheres, de Sylvia Plath ( 1968)
Mujeres, Salud y Poder, de Carme Valls-Llobet (2009)




Beijinhos a todas,

Céu

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