Queridas Senhoras,
continuamos a retomar conversas com alguns livreiros que responderam à segunda chamada. E aproveitamos para reiterar que publicaremos sempre as respostas, mesmo que cheguem semanas ou meses depois. Um livreiro tem mil solicitações como bem explica Pedro Carvalho, da Livraria Velhotes, em Vila Nova de Gaia. Um gestor que se tornou livreiro e afirma que a paixão pelos livros não pode sobrepor-se à gestão racional do negócio. Este discurso não foi habitual nas conversas anteriores mas é a visão de alguém ligado ao meio empresarial que, antes dos 40, decidiu fazer uma inflexão no seu percurso.
1. Quando e como se tornou livreiro?
Tornar-me livreiro foi, e é, um processo, não aconteceu de um dia para o outro. Acho que a ideia estava comigo desde criança, mas só aos 37/38 anos, depois de uma promissora, prolongada, próspera e, no final, algo decepcionante carreira na área das Tecnologias de Informação, se começou a concretizar. A decisão foi tomada há cerca de 11 anos; reflecti um pouco e depois mudei a vida toda para abraçar este (novo) projecto.
Onze anos depois ainda não me considero livreiro, se comparado com aquilo que idealizo como livreiro; sou um gestor que gosta muito de livros e estou a fazer o meu caminho.
2. Para si, o que é um livreiro?
Um livreiro é alguém que gosta de literatura, que conhece os livros e o mercado editorial e que intermedeia a procura do cliente. Na relação com o leitor que procura um livro deve ser uma espécie de versão melhorada do google: simpático, observador e bom a interpretar reacções humanas, sugerindo de acordo com as respostas que tem do cliente. Mas deve ser, antes de tudo o mais, um gestor, que lida com fornecedores, clientes, marketing, fiscalidade, recursos humanos, finanças, ameaças, oportunidades, etc., como noutro ramo de actividade, mas que tem preocupações específicas, relacionadas com os livros. E não deve nunca deixar que a paixão pelos livros se sobreponha à racionalidade da gestão. Deve também estar capaz de organizar lançamento de livros, exposições de ilustração, tertúlias, clubes de leitura... e ter muita disponibilidade e capacidade de adaptação, de lidar todos os dias com o novo.
3. Como caracteriza a sua livraria?
A livraria.velhotes distingue-se, nesse aspecto, pelo cuidado, atenção e independência com que escolhe e expõe os conteúdos, especialmente os livros para crianças e jovens, e pelo know-how na área da educação - livros escolares/apoio escolar - que acumulou desde a fundação, pela família Velhote, em 1976. Articula com as escolas da região, no sentido de promover o livro e a leitura, proporcionado eventos específicos para alunos e professores, na livraria e nas escolas, com turmas da pré ao ensino superior. É um investimento nos leitores, de agora e do futuro.
Tem um programa regular de exposições de ilustração - passaram já pela livraria.velhotes alguns dos mais reconhecidos ilustradores do país - ciclos de Tertúlias, apresentação de livros (especialmente para crianças e jovens), workshops de escrita e ilustração e irá re-activar em breve um clube de leitura.
4. Qual entende ser o papel das livrarias independentes nos bairros, vilas e cidades?
O papel é o de levar os livros (e actividades relacionadas) aos leitores para que estes os possam adquirir. A presença física do livro permite ao leitor um outro tipo de contacto, mais amplo, mais "afectivo". Para um leitor/consumidor atento, o cuidado na escolha e exposição dos livros revela e cria afinidades com a livraria. As actividades mencionadas na resposta acima são também uma forma de devolver à comunidade os proveitos que esta nos proporciona. Uma livraria deve ser um local que enriquece, do ponto de vista imaterial, a comunidade onde está inserida.
5. Quais são os principais clientes da sua livraria e o que procuram?
Existem dois tipos de clientes: os institucionais - Câmaras Municipais, Escolas, Associações de Pais, etc. - e os clientes individuais. Os clientes individuais procuram os livros que querem/precisam de comprar ou uma opinião/conselho nosso; e procuram também os eventos que organizamos ou em que estamos envolvidos. Procuram aprender e entreter-se.
6. Em sua opinião, o que pode contribuir para formar mais e melhores leitores?
Para formar melhores leitores devemos ler em voz alta aos bebés, às crianças, aos que não consigam fazê-lo por si; oferecer livros, incentivar as crianças a ler, sempre com muito entusiasmo. E não facilitar na hora de manter as crianças entretidas. Visitar bibliotecas e livrarias, apoiar as livrarias independentes, participar nas actividades que proporcionam. Apoiar os professores e as bibliotecas escolares nas actividades que desenvolvem. E ler, ler muito. É fundamental que as crianças cresçam num ambiente em que se lê.
7. Por último, pode recomendar-nos dois ou três livros importantes para si?
Pela Estrada Fora, Jack Kerouac
Todos os contos, Edgar Allan Poe
Eu espero..., Davide Cali e Serge Bloch
Beijinhos a todas,
Céu
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