Os leitores falam às Senhoras: Tomás Magalhães Carneiro (professor e fundador do Clube Filosófico do Porto)


Queridas Senhoras,

o que lê quem faz da Filosofia o seu modo de vida? Tomás Magalhães Carneiro é licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com uma pós-graduação em Filosofia Moderna e Contemporânea. Dinamiza sessões e oficinas de Filosofia para vários públicos (incluindo para crianças) e é o fundador do Clube Filosófico do Porto. É natural que um filósofo lide diariamente com questões de vida e morte e que as suas leituras sejam o reflexo dessas preocupações. Felizmente, para descontrair, há sempre aquelas «histórias deliciosas de terror».


1. O que está a ler neste momento?

Mortal Questions do Thomas Nagel. Uma excelente compilação de artigos do filósofo americano onde, entre outros temas, aprofunda problemas de "vida ou de morte" como o "absurdo da vida", a "sorte moral", a "igualdade", a "guerra e os massacres", a "consciência" e se podemos saber "como é ser um morcego". Neste momento estou a ler o capítulo sobre a "morte" onde Nagel pergunta se "é mau morrer?" e parece-me que está inclinado a responder que... sim!

2. O que leu antes e o que vai ler a seguir?

Nos últimos tempos as minhas leituras têm-se dividido entre a filosofia, a história das religiões, a literatura ilustrada e a literatura de terror e fantástica
Acabei de ler The Historical Jesus do John Dominic Crossman. Uma exaustiva pesquisa histórica, sociológica, antropológica e literária de Jesus da Nazaré, o Jesus real que, defende Crossman terá sido um misto de revolucionário, mágico, chefe político e profeta por oposição ao Jesus Cristo que a tradição religiosa nos quis dar. Ao mesmo tempo terminei How to be a Stoic do Massimo Pigliucci onde descobri (acho) no estoicismo e no socratismo as raízes do cristianismo. Também recentemente, do autor e ilustrador Shaun Tan deliciei-me com The lost thing (A coisa perdida, editado em Portugal pela Kalandraka, klaro!)
Durante este mês pretendo iniciar uma leitura de Reasons and Persons do Derek Parfit, um livro (ao que consta) extremamente exigente e que me dará seguramente inúmeros temas para conversas interessantes com os meus amigos. Pretendo descansar dessa leitura com a descoberta de algumas histórias deliciosas de terror em livros que ainda tenho por ler de autores como Lovecraft, Saki, Arthur Machen, Horácio Quiroga, W.H.Hodgson e Stephen King.

3. Conte-nos uma memória de infância relacionada com livros

Sozinho, à noite, no quarto mal iluminado de uma quinta muito antiga de um amigo meu, a casa de uma antepassada que (conta-se) foi queimada como bruxa, a ler uma qualquer aventura d´Os Cinco, da Enid Blyton.

4. Que livros marcaram a sua adolescência?

Todos os contos do Jorge Luís Borges.

5. Um local público onde goste de ler

Casa de Chá de Serralves (há uns anos que não vou lá) e um ou outro «secret spot» no Porto que não revelo para os manter secretos. Sou muito escrupuloso nos sítios onde vou ler e é raro ler em casa (ainda não ganhei esse hábito) e a escolha do sítio depende de muitos factores como o clima, a altura do ano, a hora do dia, o tipo de livro e o acompanhamento (vinho, cerveja, chá ou café), que lhe reservo.

6. O seu recanto preferido de leitura (em casa)

Leio pouco em casa até por que mudei muito de casa nos últimos anos e ainda não encontrei o recanto certo. Tenho lá uma cadeira de almofadas ao lado da estante dos livros que chama por mim... mas ainda não me convenceu. Sair de casa, apanhar ar, ver gente... tudo isso faz parte da minha liturgia livresca.

7. Uma biblioteca importante para si

Três, se não se importam. A minha, que dá alguma organização espacial à minha mente e à minha memória, a biblioteca de Faculdade de Letras da Universidade do Porto onde me eduquei, a Almeida Garrett onde faço a minha recolha de literatura infantil, contos do mundo e onde encontro a cada visita uma pérola qualquer que não estava lá antes.

8. As livrarias que costuma visitar

Há quem tenha barbeiros pessoais, treinadores pessoais, eu, felizmente, tenho livreiros pessoais. A Cátia e o Arnaldo da Livraria Flâneur no Porto. Parece que sabem sempre o que tenho de ler a seguir e sigo os seus conselhos como as crianças seguem o flautista de Hamelin.
Para a literatura infantil gosto da FNAC do Norteshopping. Mas a minha primeira livraria de referência foi a Leitura da José Falcão. Aquela estante de Filosofia, na entrada à esquerda era uma perdição...
A Almedina do Arrabida Shopping também está bastante bem fornecida.
E... claro, a Amazon!

9. Uma editora de que goste particularmente

Se tiver que escolher só uma digo a Gradiva com a colecção Filosofia Aberta. O serviço que este colecção está a fazer pela filosofia e pelo pensamento crítico nos países de língua portuguesa, graças ao trabalho incansável do Desidério Murcho e, agora, do Aires Almeida, os editores desta colecção, é algo que deve ser constantemente agraciado.

10. Que livros gostaria de reler?

Os do Jorge Luís Borges, mas com a virgindade com que os li pela primeira vez. Foi um assombro.

11. Que livros está a guardar para ler na velhice?

Não sei se algum dia vou voltar a ter fôlego para os grandes romances, mas entre muitos outros está A Montanha Mágica do Thomas Mann e o Ferdydurke, do Gombrowicz.

12. Acessórios de leitura que não dispensa 

Primeiro de tudo o indispensável caderno de notas da Leuchtturm [na foto] que compro na Papelaria Sousa Ribeiro no Norteshopping. Melhores e mais baratos que os Moleskine tão na moda, papel de igual qualidade, mais páginas, páginas numeradas, índice nas primeiras, duas fitas marcadoras, capas com várias cores (o meu actual é um lindo amarelo).  Para escrever nesse caderno uso uma caneta Uniball Eye micro (preço/qualidade ainda não encontrei melhor - e acreditem que já procurei muito).
Para escrever nos livros uso uma esferográfica muito fina para as páginas com pouca granulagem, um lápis nr. 2 da Staedtler para as páginas médias - nem tentem o 3 e o 4, é dinheiro deitado fora, ou então uma esferográfica um pouco mais grossa para aquelas páginas mais pesadas.
Riscar, sublinhar, comentar, assinalar as várias passagens ao longo dos anos é uma heresia que tenho mesmo de cometer para assimilar o conteúdo do livro e torná-lo mentalmente meu. Num período de «esnobeira» já experimentei não lhes tocar (não riscar, não escrever) mas esses livros que li nessa altura esfumaram-se e  nem me lembro deles. Os outros ficaram (à minha maneira, mas ficaram).
Em tempos lembro-me de vincar umas dezenas de cantos, mas felizmente deixei-me disso. Em vez disso roubo, sempre que posso marcadores, uso bilhetes de metro, comboio e autocarro, post-its, guardanapos, desenhos dos meus filhos e alunos para marcar as páginas e mapear o livro como quero.

13. E se um livro não prende, põe-se de lado ou insiste-se?

Ui, tantos! Ponho de lado, desisto, guardo para outra altura (ou para outra pessoa). Confesso que, nas mudanças, já deitei dois ou três livros ao lixo. Não ficavam bem em lado nenhum, nem sei como chegaram a mim, eram uns monstros que iam ficar para ali encostados numa prateleira qualquer com livros que não tinham nada a ver com eles. Pousei-os na tampa do contentor e fugi dali apressado.

14. Costuma ler sobre livros? Quais são as suas fontes?

Sim. Sobretudo recensões críticas de livros de Filosofia. Aí preciso da ajuda de outros filósofos. Em Dezembro aquelas listas de «livros do ano» dão sempre jeito. Costumo seguir os conselhos do Desidério Murcho na Crítica na Rede e do Nigel Warburton no Philosophy Bites.

15. Uma citação inesquecível 

Não me lembro, nem gosto muito de citações. Fora do lugar parecem-me coisas mortas.
Sei que não é a mesma coisa, mas costumo prestar atenção às dedicatórias no início de cada livro: "ao meu pai", "à minha mãe", "aos meus filhos", "ao meu companheiro". Aproximam-me do autor. Dizendo muitas vezes as mesmas palavras dizem sempre coisas diferentes. Gosto de imaginar o que elas quererão dizer, o que está por trás delas: "o pai já morreu?", "conheceu a sua mãe?", "como é que os filhos lhe deram tempo para escrever o livro?", "o companheiro tinha ciúmes do tempo que foi preciso para escrever o livro"?


(Bem lembrado, o pormenor das dedicatórias. Também gosto muito.)

Beijinhos a todas,

Céu

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