As senhoras de Munro



Queridas Senhoras,

não tinha lido nada de Alice Munro antes do Prémio Nobel. Entretanto, a Sandra ofereceu-me um livro dela e a Céu emprestou-me mais dois. E estou viciada, é a minha telenovela, o meu mundial. Não me ocorre sequer deixar passar um dia sem, pelo menos, um conto.

Hei-de falar-vos do livro inaugural, mas ontem à noite apanhei uma passagem tão adequada aos nossos questionários que não poderia deixar de partilhá-la convosco. Vou no segundo (aliás, terminei ontem o segundo), O Progresso do Amor.

Voltando ainda aos questionários: uma das perguntas, a que pede para avaliarmos a nossa satisfação em relação às rotinas diárias, nasceu de uma conversa com uma amiga. Sentadas na esplanada do café (onde relatamos as peripécias das respectivas vidas uma vez por semana), ela dizia-me que chegava à conclusão de que o melhor momento dos seus dias era quando se deitava na cama. Que sabia que muito disso se devia ao facto de estar sem trabalho e ainda em busca de um novo rumo. Mas que não lhe parecia, de qualquer forma, que a vida devesse ser vivida assim.

Do conto Refugo Branco, de O Progresso do Amor, de Alice Munro:

«"O maior prazer da minha mulher é ficar sozinha."
Se isso era verdade (...), não era decerto algo que a dignificasse em demasia. Sentava-se ali, à espera que o dia e os seus obstáculos se desvanecessem. O coq au vin aguardava no fogão, o bolo chegara a casa intacto, o vinho e os tomates haviam sido comprados, o dia de aniversário corria até agora sem percalços nem conflitos nem desilusões. Só restava o regresso a casa, o jantar. (...)
Não a dignificava demasiado atravessar a vida a pensar 'Bom, já terminou, esta já passou, óptimo.' O que ambicionava ela, que recompensa a esperava depois de esta, e esta, e outra haverem passado?
Liberdade - ou nem sequer liberdade. O vazio, a possibilidade de descontrair. Sentia que a todo o momento lhe exigiam um pouco mais - em termos de atenção, entusiasmo, vigilância - do que ela talvez tivesse para oferecer. Redobrava os seus esforços, na esperança de que ninguém descobrisse.»

O vazio, a possibilidade de descontrair.

Beijinhos a todas,

Marta

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