Os livreiros falam às Senhoras: Andreia Tibério dos Santos (Arte no Livro)


Fernando Pinheiro dos Santos e Andreia Tibério dos Santos (pai e filha)


Queridas Senhoras,

hoje trazemos uma livraria diferente que é também, e sobretudo, oficina de encadernação e de restauro de livros. Um 'lugar único e sagrado' que conta uma história de família. Pai e filha decidiram dar continuidade ao trabalho do avô, Vitor Luiz dos Santos, nascido em 1917, que viria a tornar-se um dos melhores encadernadores e douradores do país. Andreia Tibério dos Santos, a neta, conta-nos tudo sobre a Arte no Livro, em Cascais. O amor aos livros e à nobre arte de lhes dar (ou restituir) vida, transparece em cada palavra.


1. Quando e como se tornou livreira?

Os livros sempre fizeram parte da minha vida, do meu quotidiano. Hoje em dia, de forma mais profissional. A livraria é uma pequena parte de um conceito mais amplo do projecto Arte no Livro. Esta iniciativa ganhou vida em 2014, momento em que eu e o meu pai decidimos continuar o legado do meu avô após termos partilhado com ele, ao longo de muitos anos, momentos de aprendizagem no ofício de encadernação e restauro de livros, que era a sua profissão de alma e coração.

2. Para si, o que é um livreiro?

Alguém que viva os livros por inteiro. Posso falar por mim, que como encadernadora e restauradora de livros, trabalho com livros, nos livros e para os livros. É o melhor trabalho do mundo e pessoalmente gratificante. Basta pensar que deixamos um pouco de nós em cada livro e que este para além do autor, paginador, ilustrador, ... tem também uma semente de quem o encaderna.

3. Como caracteriza a sua livraria?

Pouco convencional. Somos uma oficina de encadernação e restauro de livros, à moda antiga. O método de trabalho meticuloso, cuidadoso e criativo que vigora no nosso dia-a-dia reflecte-se no ambiente vivido. A Arte no Livro remete as pessoas para um conforto daqueles que encontramos quando descobrimos um refúgio pleno de livros e histórias. É isto que sinto quando, diariamente, início o meu dia de trabalho. Considero que posso extrapolar esta sensação para os outros que cá entram, pelas conversas que surgem.

4. Qual entende ser o papel das livrarias independentes nos bairros, vilas e cidades?

Imprescindível. Todos os locais deveriam ter pequenas livrarias ou casas de livros, que contassem histórias dos locais, só por existirem. Pontos de encontro de ideias, ensinamentos, reflexão e muitíssimo importante, que sirvam de veículo também para os mais novos contactarem com evidências culturais e realidades que não os meios digitais. Nós recebemos escolas e explicamos o papel dos livros e o método de encadernação e é impressionante o agrado com que as crianças e adolescentes nos ouvem.

5. Quais são os principais clientes da sua livraria e o que procuram?

Nós gostamos de estar, falar e conversar com os nossos clientes, pelo que não somos um local para grandes públicos. Os nossos principais clientes na livraria são pessoas que procuram um espaço mais intimista onde possam, tranquilamente, explorar o universo dos livros. Na oficina são pessoas (portugueses e estrangeiros) que pesquisaram locais para encadernação e restauro de livros ou que foram encaminhados por livreiros/ alfarrabistas. Funciona muito, pelo que já tivemos oportunidade de aferir, o passa-palavra. Alguns dos nossos clientes de oficina acabam por também se tornar clientes de livraria e vice-versa.

6. Em sua opinião, o que pode contribuir para formar mais e melhores leitores?

Todos nós, pessoas que habitam com livros, leituras, palavras e outros que tais, temos um papel muito importante e deveremos ter consciência da nossa responsabilidade. As pessoas são, em parte, aquilo que vêem os outros ser, é inevitável o processo de contágio. Como tal, sermos explicitamente leitores ávidos e passarmos esta mensagem diariamente aos que nos rodeiam, fazer da leitura um hábito, um modelo de vida e de encontros, é um caminho a seguir. Estabelecer rotinas que incluam a leitura, o recurso aos livros e o bom uso das palavras. A curiosidade literária cria-se e estimula-se.


7. Por último, pode recomendar-nos dois ou três livros importantes para si?

Sim. Como todas as pessoas tenho vários livros que em momentos diferentes da minha vida tiveram um papel importante, mas posso destacar por agora:
As Velas Ardem até ao Fim de Sándor Márai – porque sou eterna enamorada por tudo o que este senhor escreveu e, sabendo a sua vida, toda a leitura é tão intensa e veemente poética. Sándor Márai lê-se e relê-se sem fim.
Alexis de Marguerite Yourcenar – porque é, para mim, uma extraordinária carta de amor e desamor, que diz muito mais do que apenas o que está escrito. Lê-se num ápice e fica para sempre.
Água Viva de Clarice Lispector – porque aqui as palavras, por si só, passam uma musicalidade. Há livros que são assim, palavras e mais palavras que nos conseguem invadir. Também porque todo o livro foi, na minha cabeça, a voz da Lispector a falar.
Agora, enquanto respondo, lembro-me também de A Terra das Ameixas Verdes da Herta Muller, mulher impressionante, que me apresentou de uma forma tão crua, à existência desumana durante um período de ditadura. Falta de ar e recuperação de fôlego ao longo do percurso dos personagens e desde logo no primeiro contacto. Não me consegui desapegar.
Um outro caminho de narrativa que me deixou deslumbrada e rendida foi Shirley Jackson com Sempre Vivemos no Castelo. Impossível descolar-me do humor macabro e doentio que esta história nos revela. Adoravelmente curiosa. Para se ter noção, estou agora a escrever e não consigo conter um sorriso no meu rosto.
Depois, todos os livros de Ana Teresa Pereira, desde sempre e ainda hoje a fazerem parte de mim.
Não escrevo mais, por vezes o entusiasmo ganha à sensatez e daí todas as linhas acima. Desculpem o alvoroço com que dupliquei o vosso pedido de três livros.



(Está perfeitamente desculpada, não acham?)


Beijinhos a todas,

Céu

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