Queridas Senhoras,
o tempo de andar em alegre vadiagem chegou ao fim. Perdemos umas coisas, ganhamos outras. Nestes dois meses de ócio, nem um só dia foi desperdiçado. Entre visitas a bibliotecas, livrarias e conversas com escritores e livreiros, sinto que vou dando pequenos passos e construindo a minha nuvem de referências à volta do livro. E o mais importante é que cada passo vale por si. Aqui não há objectivos a cumprir. Há um acumular de experiências e vivências que a circunstância de me ver com tempo livre proporcionou. Nestas afortunadas deambulações visitei esta semana a Distopia na Rua de São Bento, onde conheci a Sónia, uma jovem livreira que cumpriu o sonho de abrir a sua livraria. E que bela livraria.
1. Quando e como se tornou livreira?
Sou livreira desde Janeiro de 2001, ano em que, acabada de sair da faculdade, fui trabalhar para a Livraria Barata. Pareceu-me que era o casamento perfeito entre a minha compulsão da leitura (desde que me lembro de aprender a ler nunca mais larguei os livros) e a necessidade de na altura juntar dinheiro para fazer um mestrado e viajar. Acabei por ir ficando (com umas peripécias pelo meio) e sou livreira até hoje, agora com a minha própria livraria a meias com o Bruno Silva, amigo de longa data e que tem um percurso semelhante ao meu.
2. Para si, o que é um livreiro?
A ideia romântica do livreiro é a de uma pessoa que gosta de ler e passa o dia a fazê-lo. Na verdade passamos muito tempo a tratar da parte burocrática, ainda mais agora com livraria própria. No entanto, o que distingue um empregado de balcão de um livreiro é não só o gosto pelos livros e o conhecimento dos autores e das obras, mas também a capacidade de analisar as pessoas que nos pedem conselhos literários e recomendar as coisas adequadas a essas pessoas. Um livreiro não pode passar a vida a recomendar apenas aquilo que gosta de ler, cada pessoa tem gostos diferentes e procura coisas distintas nos diversos momentos da sua vida.
3. Como caracteriza a sua livraria?
A Distopia é uma livraria descontraída, em que quem nos visita pode consultar e escolher à vontade, pedir-nos ajuda se precisar. Tentamos que a selecção de livros seja abrangente, mas cuidada, com atenção aos fundos de catálogo e editoras independentes. Segue obviamente muito do que são os nossos gostos, e têm-nos dito que temos uma escolha de qualidade. Vendemos também música, em vinil e cd, e a filosofia é a mesma.
4. Qual entende ser o papel das livrarias independentes nos bairros, vilas e cidades?
As livrarias independentes acabam por ser um pólo cultural do bairro em que se inserem, onde os leitores podem encontrar coisas diferentes do que encontram nas grandes superfícies: um atendimento personalizado e sem pressas, e livros que não sobrevivem à pressão das novidades ou nem entram nesses locais.
5. Quais são os principais clientes da sua livraria e o que procuram?
Uma livraria independente penso que se faz mais de clientes habituais, que tanto nos visitam para comprar como para dar dois dedos de conversa. Ao longo do tempo acabamos por conhecer os gostos desses clientes e vamos fazendo recomendações personalizadas. Cria-se uma relação de proximidade. Também temos clientes esporádicos, até turistas que passeiam nesta zona da cidade, mas a maioria são clientes que regressam regularmente.
6. Em sua opinião, o que pode contribuir para formar mais e melhores leitores?
Disponibilizar livros às crianças quase desde que nascem é fundamental. Uma criança com contacto com livros desde cedo faz toda a diferença nos seus hábitos de leitura futuros. Mesmo sem saber ler vão-se habituando ao objecto, vêem as imagens e a forma das letras, habituam-se a ouvir contar as histórias. Temos muitos pequenos clientes apaixonados por livros. É preciso incentivá-los. Se tiverem pais que lêem é logo meio caminho andado.
Para além disso é preciso desconstruir a ideia do livro como algo difícil ou até chato, os livros podem proporcionar viagens incríveis e muito tempo de entretenimento. Às vezes as pessoas ainda não descobriram o livro certo para si.
7. Por último, pode recomendar-nos dois ou três livros importantes para si?
Um que me marcou na adolescência, tanto que o nome da livraria tem a ver com isso, e que é uma escolha um pouco cliché, foi o Admirável Mundo Novo (a par com o 1984 e o Nós).
Já na idade adulta, o Aquilo que eu Amava da Siri Hustvedt e A Ilha de Sukkwan do David Vann por exemplo, foram livros que ficaram comigo muito tempo depois de os acabar.
Depois há autores a que volto sempre como o Philip Roth, o Martin Amis ou o Cormac McCarthy, mesmo tendo livros que gosto mais e outros que ficam aquém do que espero deles, ou os clássicos russos, alemães ou franceses, que são quase sempre uma leitura substancial.
Neste momento ando numa fase de contos, sobretudo escritos por mulheres, como a Lucia Berlin, a Lydia Davis, a Alice Munro ou a Lorrie Moore, que eram uma falha no meu "repertório".
Beijinhos a todas,
Céu
Não esquecer a Livraria Centésima Página, em Braga.
ResponderEliminarVamos publicar em breve! Obrigada pela sugestão.
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