Queridas Senhoras,
sempre gostei muito de histórias de aldeia. Ok, é certo que não sou esquisita, gosto de histórias e ponto final. Mas sempre tive um fascínio especial por aqueles contos exemplares passados no meio rural, à maneira dos Novos Contos da Montanha de Miguel Torga.
Mas também da St. Mary Mead de Miss Marple, a pequena povoação (gosto muito da palavra “povoação”) inglesa onde nada acontece mas afinal tudo se passa. Miss Marple costuma dizer que a natureza humana é igual em todo o lado por isso há sempre alguém que lhe faz lembrar alguém, um caso que lhe recorda outro que, embora distinto nos detalhes, é idêntico na essência.
Suponho que seja isto que me agrada nas histórias passadas em aldeias, em meios pequenos, microcosmos que contêm neles toda a tipologia humana, todos os casos possíveis. Gosto de contos simples, com fundo moral, que caricaturam cada uma dessas características ou tipos humanos: o curioso, o bisbilhoteiro, o vaidoso, o invejoso, o fanfarrão (há sempre um fanfarrão!, o pescador ou o caçador mentiroso, por exemplo).
Serve esta introdução para contar que comprei há uns tempos um livro de contos do António Mota, composto por histórias passadas em Vilarelho, aldeia transmontana onde o autor nasceu. A desculpa para comprar o livro foi a do costume, os miúdos, mas é claro que eles não ligaram nenhuma e quem o leu num ápice fui eu.
Resolvi então enviar o livro à minha tia Odete mas foi uma oferta interesseira, admito. Seguiu com uma cartinha manuscrita onde eu dizia ó tia, está a ver estas histórias de aldeia tão bonitas? Quer dizer, umas bonitas outras cruas e até cruéis, como as fábulas e os contos exemplares tantas vezes são. Mas a questão é que a tia de certeza que tem para contar dezenas, centenas de histórias parecidas com estas. Não quererá, num momento ou outro de pausa, pôr-se a passá-las para o papel e presentear-nos, de vez em quando, com um conto de Aldeia Viçosa?
Chegaram três de uma assentada e este poderia muito bem servir de introdução ao livro de contos da tia Odete:
Fui criança, fui menina. Muito cedo aprendi a ser mulher.
Cozinhei, casas e roupas lavei. Só inventado o sabão – a força vinha da mão.
Costurei aprendendo a fazer do velho, novo. Criei galinhas, coelhos, patos e porcos. De tanto enchido no caniço pendurar, magra, franzina como sempre fui, mãos nas ancas me ajudavam a segurar.
Fui tantas vezes padeira e de bolos também sei, alguns de uma santa herança, outros que inventei.
Da terra também tirei tanto fruto – santo Deus, que hoje pensando bem, donde esta força me vem, só pode ser do bom Deus.
Cavei a terra, lavrei, burrito atrás eu à frente, alma em festa, suor quente; semeei, ancinhei, sachei, reguei, arranquei; os frutos da Terra Mãe trabalhados com amor me devolvem seu doce sabor.
Filha, esposa, mãe, avó, irmã, tia, ai que sabor e que sublime missão.
E de alma serena, ao fim de cada dia, entre uma lágrima e um sorriso, eu rezo. Avé Maria.
Beijinhos a todas,
Céu
Lindo ! Lindo! Viva a tia!
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